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Risco de Câncer de Ovário em Mulheres com Endometriose: Revisão das Evidências e Considerações sobre Abordagem Cirúrgica Profilática

A endometriose, especialmente em sua forma ovariana, tem sido associada a um risco aumentado de neoplasias epiteliais de ovário, particularmente dos subtipos endometrioide e de células claras. Com base nessa associação, discute-se a necessidade de estratégias profiláticas em mulheres com endometriose persistente, sobretudo após os 40 anos. Este artigo revisa criticamente a literatura científica sobre a relação entre endometriose e câncer de ovário, analisando os fatores de risco, os subtipos tumorais relacionados e as opções cirúrgicas preventivas. Também se analisa, com base nas evidências disponíveis, o papel da ooforoplastia (remoção apenas do endometrioma com preservação do ovário) em pacientes mais velhas. No entanto, essa abordagem, embora útil em pacientes com desejo reprodutivo, não tem respaldo como estratégia profilática oncológica.

A endometriose é uma condição ginecológica benigna, de natureza inflamatória e estrogênio-dependente, que afeta entre 6 e 10% das mulheres em idade reprodutiva. Em sua forma ovariana, caracteriza-se pela presença de endometriomas, cistos que podem crescer e se manter ao longo dos anos. Embora a doença seja considerada benigna, há evidências crescentes associando a endometriose — principalmente a ovariana — a um aumento no risco de câncer epitelial de ovário.

Essa associação levanta importantes implicações clínicas, especialmente em mulheres com endometriomas persistentes e idade mais avançada. Surge, portanto, a necessidade de avaliar criticamente quais estratégias cirúrgicas poderiam reduzir o risco oncológico sem comprometer desnecessariamente a função ovariana ou a qualidade de vida.

Endometriose e Câncer de Ovário: Relação Epidemiológica

Estudos populacionais e metanálises revelam que mulheres com endometriose têm um risco aumentado de desenvolver câncer de ovário, com razão de risco variando entre 1,4 e 2,0 em comparação à população geral (Melin et. al., 2011; Pearce et. al., 2012; Vercellini et. al., 2014). A associação é particularmente forte para dois subtipos histológicos:

  • Carcinoma de células claras, com até 2 a 3 vezes mais risco;
  • Carcinoma endometrioide, com risco estimado em torno de 2 vezes maior (Kobayashi al., 2007; Pearce et. al., 2012).

Esses dados foram reforçados pela apresentação de uma meta-análise recente no Congresso da ESHRE 2025 em Paris, que mostrou um risco global discretamente aumentado para câncer em geral em mulheres com endometriose.

  • SRR: 1,07 (IC 95%: 0,98–1,16), sem significância estatística global.

Quando estratificado por região geográfica:

  • Ásia: HR 1,80 (IC 95%: 1,37–2,36) → risco significativamente maior;
  • Europa: SRR 1,03 (IC 95%: 0,97–1,11);
  • América do Norte: RR 0,90 (IC 95%: 0,77–1,05).

Tais variações sugerem que fatores genéticos, ambientais e de rastreamento regional podem impactar a magnitude do risco oncológico associado à endometriose.

Fatores que Aumentam o Risco de Transformação Maligna

Embora o risco absoluto de câncer de ovário em mulheres com endometriose permaneça relativamente baixo, algumas características aumentam significativamente esse risco:

  • Idade acima de 40 anos, especialmente na perimenopausa;
  • Endometriomas persistentes ou em crescimento;
  • História familiar de câncer de ovário ou mama;
  • Características atípicas na imagem (espessamento de paredes, septações, vascularização aumentada);
  • Ausência de uso contínuo de tratamento hormonal supressor.

Esses fatores foram também destacados na aula do congresso de Paris como elementos importantes para estratificação individual de risco e decisão cirúrgica personalizada.

Cirurgia Profilática: Quando Indicar?

A literatura médica sugere que a ooforectomia (remoção do ovário afetado) associada à salpingectomia pode ser considerada em pacientes com endometriose ovariana complexa ou atípica, idade avançada, ausência de desejo gestacional e risco oncológico elevado.

Além disso, a salpingectomia bilateral isolada vem sendo recomendada como estratégia de redução de risco em mulheres submetidas a histerectomia, dado o papel reconhecido das trompas na origem do carcinoma seroso de alto grau.

Durante a apresentação no congresso da ESHRE (Paris, 2025), foi reforçado que a simples vigilância de endometriomas com padrão estável em mulheres jovens é aceitável, mas que a persistência ou o crescimento após os 45 anos deve motivar discussão sobre cirurgia definitiva. A ooforectomia com salpingectomia foi novamente apontada como a estratégia com maior respaldo oncológico.

Ooforoplastia em Pacientes com Idade Avançada: Há Evidência para Uso Profilático?

A ooforoplastia, técnica cirúrgica conservadora que consiste na remoção apenas do endometrioma com preservação do parênquima ovariano, é amplamente utilizada em pacientes jovens com dor ou infertilidade. Contudo, não existem evidências científicas robustas que sustentem seu uso como estratégia de prevenção do câncer de ovário em mulheres com endometriose e idade avançada.

Revisões sistemáticas e estudos observacionais não citam a ooforoplastia como método de redução de risco oncológico (Kobayashi et. al., 2007; Vercellini et. al., 2014). Os dados mais recentes reforçam que, do ponto de vista oncológico, a preservação do ovário não altera significativamente o risco de transformação maligna, especialmente quando persistem áreas de tecido endometriótico residual.

Durante o congresso de Paris, também foi destacado que a ooforoplastia não deve ser indicada como medida profilática em mulheres com idade mais avançada e risco oncológico elevado, sendo recomendada apenas para fins funcionais ou sintomáticos bem definidos.

Conclusão

A associação entre endometriose e câncer de ovário é bem estabelecida, especialmente nos subtipos endometrioide e de células claras. Embora o risco absoluto global seja ligeiramente aumentado (SRR 1,07), esse risco é substancialmente mais elevado em determinadas populações, como mulheres asiáticas (HR até 1,8) e em casos de endometriomas persistentes após os 40 anos.

A cirurgia profilática deve ser considerada em casos individualizados, especialmente quando há lesões ovarianas complexas, refratárias ao tratamento clínico ou alterações suspeitas em imagem. A ooforectomia com salpingectomia permanece como a principal medida com respaldo oncológico.

Por outro lado, a ooforoplastia, apesar de ser uma cirurgia conservadora útil em mulheres jovens com desejo reprodutivo, não deve ser indicada como estratégia de prevenção oncológica em pacientes com risco elevado, especialmente após os 45 anos.

Perguntas e Respostas

Sim, mulheres com endometriose, principalmente na forma ovariana, têm um risco um pouco maior de desenvolver câncer de ovário. Esse risco é maior para dois tipos específicos: carcinoma endometrioide e carcinoma de células claras. No entanto, o risco absoluto continua sendo baixo, ou seja, a grande maioria das mulheres com endometriose nunca desenvolverá câncer.

Principalmente dois tipos:

  • Carcinoma endometrioide
  • Carcinoma de células claras

Esses subtipos têm maior chance de surgir em áreas onde há focos de endometriose no ovário.

Não. A retirada dos ovários (ooforectomia) não é recomendada para todas as mulheres com endometriose. Essa decisão só deve ser considerada em casos específicos, como:

  • Mulheres com mais de 45 anos
  • Lesões ovarianas persistentes ou com aparência suspeita nos exames
  • Sem desejo de ter filhos
  • Histórico familiar de câncer

A cirurgia é sempre individualizada, considerando o risco e o momento de vida da paciente.

A ooforoplastia é uma cirurgia em que o médico remove apenas o cisto (endometrioma), mas preserva o ovário. É uma boa opção para mulheres mais jovens que querem engravidar ou manter a produção hormonal. No entanto, essa cirurgia não remove completamente o tecido de endometriose, por isso não é considerada uma forma de prevenir o câncer de ovário.

Alguns sinais podem indicar maior risco:

  • O cisto não desaparece com o tempo
  • Aumenta de tamanho em exames de controle
  • Tem paredes espessas ou septos (divisões internas)
  • Você tem mais de 40 anos
  • Existe histórico de câncer de ovário ou mama na família

Nesses casos, o ginecologista pode indicar uma investigação mais cuidadosa ou até sugerir cirurgia.

A relação entre endometriose e câncer está mais bem estabelecida no ovário. Para outros tipos de câncer, como de intestino, mama ou útero, os estudos não mostram aumento significativo do risco em mulheres com endometriose.

Sim. Uma grande meta-análise mostrou que mulheres com endometriose:

  • Têm risco aumentado na Ásia (até 80% maior)
  • Têm risco ligeiramente aumentado na Europa
  • Não têm aumento significativo na América do Norte

Essas diferenças podem estar ligadas a fatores genéticos, hábitos de vida, alimentação ou formas de tratamento e diagnóstico.

A salpingectomia (remoção das trompas de falópio) tem se mostrado útil para reduzir o risco de alguns tipos de câncer de ovário. Quando combinada com a retirada do ovário (ooforectomia), especialmente em mulheres sem desejo gestacional e com risco elevado, a prevenção é mais efetiva.

Sim. O uso de medicamentos que bloqueiam os hormônios — como anticoncepcionais combinados ou análogos do GnRH — pode reduzir a atividade da endometriose e, possivelmente, diminuir o risco de transformação maligna a longo prazo, especialmente em mulheres jovens com endometriomas.

A primeira atitude é conversar com seu ginecologista. Ele pode avaliar:

  • Seu histórico familiar
  • Exames de imagem (ultrassom ou ressonância)
  • Sua idade e fase reprodutiva
  • Se a lesão está crescendo ou mudando

Com essas informações, o médico decide se deve apenas acompanhar, usar medicamentos hormonais ou indicar cirurgia. O mais importante é não tomar decisões por conta própria e seguir o plano individual proposto por seu médico.

Referência bibliográfica.

  • Melin A, Sparén P, Persson I, Bergqvist A. Endometriosis and the risk of cancer. Hum Reprod Update. 2007.
  • Pearce CL, Templeman C, Rossing MA, et. al. Association between endometriosis and risk of histological subtypes of ovarian cancer: a pooled analysis of case-control studies. Lancet Oncol. 2012;13(4):385–394.
  • Vercellini P, Vigano P, Somigliana E, Fedele L. Endometriosis: pathogenesis and treatment. Nat Rev Endocrinol. 2014.
  • Kobayashi H, Sumimoto K, Kitanaka T, et. al. Ovarian endometrioma—risks factors of ovarian cancer development. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2008.
  • Sampson JA. Endometrial carcinoma of the ovary, arising in endometrial tissue in that organ. Arch Surg. 1927.
  • Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine. Role of tubal surgery in the era of assisted reproductive technology: a committee opinion. Fertil Steril. 2021.
  • American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Opportunistic Salpingectomy as a Strategy for Epithelial Ovarian Cancer Prevention. ACOG Committee Opinion No. 774. 2019.
  • ESHRE Congress. Kvasoff M et. al. Endometriosis and ovarian cancer: a quantitative synthesis across regions and histologic subtypes. Apresentação oral, Congresso da ESHRE 2025, Paris, França.

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