Evidências Atuais, Limitações Diagnósticas e Estratégias para Casos Refratários
Dr. Arnaldo Schizzi Cambiaghi
Especialista em Ginecologia e Reprodução Humana – IPGO
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ToggleA endometrite crônica (EC) é uma condição inflamatória persistente do endométrio funcional caracterizada pela infiltração de plasmócitos CD138+, geralmente assintomática e frequentemente subdiagnosticada. Nas últimas décadas, passou a ser considerada uma possível causa de falhas reprodutivas como falha de implantação recorrente (RIF) e perda gestacional recorrente (RPL). No entanto, sua relevância clínica ainda é debatida, especialmente pela falta de padronização nos critérios diagnósticos e terapêuticos.
Este artigo analisa criticamente as evidências atuais, com base nos dados apresentados no 11º Congresso IVIRMA 2025 (Barcelona), com foco na apresentação do Dr. Andres Reig e nos achados de HogenEsch et. al. (2023).
Prevalência e Populações de Risco
Devido à ausência de critérios unificados (ex.: número de plasmócitos CD138+ por campo), é difícil determinar com precisão a prevalência real da EC.
HogenEsch et. al. (2023) relataram maior prevalência em mulheres com RPL e perdas gestacionais precoces.
Entretanto, a meta-análise não evidenciou melhora nas taxas de gravidez após tratamento da EC em pacientes com RIF.
Esses dados sugerem que a EC pode ter impacto clínico em subgrupos específicos, mas não de forma generalizável.
Diagnóstico: Limitações e Controvérsias
O diagnóstico de EC pode ser feito por:
- Biópsia endometrial com CD138+ (imuno-histoquímica);
- Cultura endometrial (baixa sensibilidade);
- PCR do microbioma (uso restrito a centros especializados).
Ainda não há consenso sobre o ponto de corte para diagnóstico (quantidade de plasmócitos), o que prejudica a indicação clara do tratamento.
Tratamento Convencional e Eficácia Variável
A abordagem padrão envolve antibióticos, com resultados heterogêneos. Segundo o IVIRMA 2025:
- A eficácia varia de 20% a 92%;
- Não há estudos sobre a segurança de múltiplos ciclos;
- Doxiciclina, metronidazol e ciprofloxacino são os regimes mais comuns.
Estudos observacionais sugerem possível benefício reprodutivo, mas sem confirmação por ensaios clínicos randomizados.
Exemplos:
- Cicinelli et. al. (2015): melhora na taxa de implantação com antibióticos (sem randomização);
- Bouet et. al. (2016): benefício em RPL, mas com amostra reduzida.
Casos Refratários: Alternativas Terapêuticas
Quando a EC persiste após 1 ou 2 ciclos antibióticos, outras estratégias devem ser consideradas:
1.1. Antibióticos de Segunda Linha
- Esquemas combinados (ex.: doxiciclina + metronidazol, ou dirigidos por cultura/PCR);
- Tratamento prolongado (14–21 dias).
1.2. Terapia com Probióticos
- Reposição de Lactobacillus crispatus por via vaginal ou oral;
- Correlação com maior taxa de implantação quando há dominância de lactobacilos.
1.3. Ressecção Mecânica do Endométrio
- Indicada em inflamações focais refratárias;
- Realizada por histeroscopia, com remoção superficial da mucosa inflamada;
- Útil quando há micropólipos persistentes, zonas hiperemiadas ou falha terapêutica com antibióticos.
1.4. Imunomodulação Experimental
- Corticoides, IVIG, tacrolimus ou terapia com células NK (uso empírico);
- Sem evidência robusta para indicação de rotina.
Discussão
A EC deve ser abordada com cautela. Estudos atuais sugerem que seu impacto nos desfechos reprodutivos está restrito a subgrupos, como pacientes com RPL, RIF severo e sintomatologia específica. A aplicação universal de testes ou tratamentos pode resultar em superdiagnóstico e uso desnecessário de antibióticos, com risco de disbiose e custo elevado.
A ressecção mecânica do endométrio pode representar uma alternativa terapêutica promissora, especialmente quando há sinais histeroscópicos persistentes e ausência de resposta clínica.
Conclusão
A EC é uma entidade clínica relevante em contextos específicos da infertilidade. Seu diagnóstico requer integração entre exames histológicos, moleculares e clínicos. O tratamento com antibióticos deve ser reservado a casos bem-documentados, enquanto a ressecção mecânica do endométrio e o uso de probióticos surgem como ferramentas úteis em casos refratários. Ensaios clínicos randomizados e protocolos unificados são fundamentais para orientar a prática clínica.
Perguntas e Respostas: Endometrite Crônica e Infertilidade
(Baseado nas apresentações do IVIRMA 2025 e literatura atual)
A endometrite crônica (EC) é uma inflamação persistente do endométrio, o tecido que reveste internamente o útero. Mesmo sem causar sintomas aparentes, ela pode afetar negativamente a receptividade do útero, dificultando a implantação do embrião e aumentando o risco de abortos de repetição. Está especialmente relacionada a casos de falha de implantação em tratamentos de fertilização in vitro (FIV) e perdas gestacionais recorrentes.
Na maioria dos casos, a EC não apresenta sintomas claros. Quando ocorrem, podem incluir:
- Corrimento vaginal anormal;
- Dor pélvica discreta ou sensação de peso;
- Sangramento fora do período menstrual;
- Falhas reprodutivas repetidas sem causa aparente.
Existem três formas principais de diagnóstico:
- Biópsia endometrial com coloração CD138 (imuno-histoquímica): identifica células inflamatórias chamadas plasmócitos — é o método mais confiável;
- Histeroscopia diagnóstica: permite visualizar diretamente o interior do útero e identificar sinais como micropólipos, áreas avermelhadas e edema;
- Análise molecular (PCR ou microbioma endometrial): detecta desequilíbrios na flora uterina, útil em centros especializados.
Nem sempre. O tratamento é indicado especialmente em mulheres que:
- Tiveram falhas de implantação em FIV;
- Sofrem abortos repetidos;
- Apresentam alterações visíveis na histeroscopia;
- Têm inflamação comprovada por CD138 ou microbioma alterado.
Em mulheres férteis, sem sintomas e com diagnóstico incidental, o tratamento nem sempre é necessário.
O tratamento inicial geralmente inclui antibióticos orais, como:
- Doxiciclina: 100 mg, 2 vezes ao dia por 14 dias;
- Em alguns casos, associa-se com metronidazol ou amoxicilina-clavulanato.
Após o tratamento, recomenda-se uma nova biópsia ou histeroscopia para confirmar a cura.
Quando a inflamação persiste após um ou dois ciclos de antibióticos, consideram-se outras estratégias:
a) Antibióticos combinados e guiados por cultura ou PCR
- Podem ser usados antibióticos mais específicos conforme as bactérias detectadas (ex.: Gardnerella, Streptococcus, Ureaplasma).
b) Uso de probióticos vaginais
- Após o antibiótico, ajuda a restaurar a microbiota saudável do útero;
- Exemplo: Lactobacillus crispatus, 5 bilhões de UFC por dia durante 5 dias, depois 3 vezes por semana.
c) Ressecção mecânica do endométrio
- Em casos mais persistentes, é possível realizar uma histeroscopia para remover delicadamente a camada inflamada do endométrio, melhorando a receptividade.
d) Terapias imunológicas (uso experimental)
- Incluem corticoides, imunoglobulinas (IVIG) ou imunossupressores, mas só devem ser usados em casos selecionados.
É um procedimento feito por histeroscopia no qual o médico remove superficialmente áreas inflamadas ou anormais do endométrio. Indicado para:
- EC resistente a antibióticos;
- Casos com micropólipos persistentes;
- Planejamento de FIV em pacientes com falhas anteriores.
É minimamente invasivo, feito em consultório ou centro cirúrgico, e pode melhorar o ambiente uterino.
Sim, os probióticos podem ajudar principalmente após o uso de antibióticos. Eles favorecem o crescimento de bactérias benéficas (como Lactobacillus crispatus), reduzindo a chance de recidiva da inflamação e ajudando a equilibrar o ambiente uterino. Não substituem os antibióticos, mas são um complemento importante.
Infelizmente, sim. A EC pode recorrer, especialmente se:
- O foco infeccioso não foi completamente tratado;
- A flora uterina não foi restaurada;
- A paciente tem outras doenças inflamatórias (como endometriose).
Por isso, o seguimento após o tratamento é essencial, com nova avaliação endometrial antes de transferências embrionárias.
Sim, na maioria dos casos a EC tem cura com antibióticos e cuidados complementares. Quando tratada adequadamente, as chances de gravidez — seja natural ou por FIV — aumentam significativamente. Em casos refratários, estratégias como ressecção mecânica do endométrio e suporte imunológico têm mostrado bons resultados.
Resumo
A endometrite crônica (EC) tem sido associada à falha de implantação e perda gestacional recorrente, mas sua real relevância clínica permanece controversa. A ausência de critérios diagnósticos padronizados e a heterogeneidade nos estudos comprometem a definição da prevalência e dos benefícios do tratamento.
O objetivo deste artigo é revisar criticamente as evidências mais recentes sobre a importância clínica da EC, sua resposta ao tratamento antibiótico e as alternativas terapêuticas para casos refratários.
Métodos: Análise dos dados apresentados no 11º Congresso Internacional IVIRMA (2025), incluindo revisão dos estudos de HogenEsch et. al. (2023), Cicinelli et. al. e outros relevantes na literatura.
Resultados: A prevalência de EC é maior em populações de risco (RPL, RIF), mas meta-análises não confirmam benefício reprodutivo claro com o tratamento. A eficácia antibiótica é variável (20% a 92%) e há risco de disbiose. Para casos refratários, opções incluem ajustes terapêuticos, uso de probióticos, ressecção mecânica do endométrio e imunomodulação experimental.
A EC pode impactar negativamente a fertilidade em subgrupos específicos. O tratamento deve ser individualizado e guiado por critérios clínicos, microbiológicos e reprodutivos bem-definidos.
Palavras-chave: Endometrite crônica, infertilidade, falha de implantação, antibióticos, microbiota, ressecção endometrial.
Referências
- HogenEsch E, et. al. Chronic Endometritis: Does It Really Matter? Apresentado no 11th International IVIRMA Congress, Barcelona, 2025.
- Cicinelli E, et. al. Antibiotic treatment of chronic endometritis improves the pregnancy rate of infertile women with recurrent implantation failure. Fertil Steril. 2015;104(1):150–153.
- Bouet PE, et. al. Prevalence of chronic endometritis in women with recurrent miscarriage: A systematic review and meta-analysis. J Gynecol Obstet Hum Reprod. 2016;45(7):577–580.
- Kitaya K, et. al. Chronic endometritis and embryo implantation. Am J Reprod Immunol. 2019;82(2):e13182.
- Kyono K, et. al. Analysis of endometrial microbiota by 16S ribosomal RNA gene sequencing among infertile patients: A single-center pilot study. Reprod Med Biol.