Dr. Arnaldo Schizzi Cambiaghi
As aneuploidias embrionárias, alterações no número ou na estrutura dos cromossomos, são causas importantes de falha de implantação, abortamentos e insucesso em tratamentos de reprodução assistida. Durante décadas, atribuiu-se quase exclusivamente à mulher, especialmente às anomalias completas associadas à idade ovariana. Porém, evidências recentes indicam que uma parcela relevante das aneuploidias segmentares pode ter origem paterna, mesmo em mulheres de idade jovem ou com boa reserva ovariana.
Fatores do homem como fragmentação do DNA espermático, idade avançada, instabilidade cromatínica e falhas no reparo genômico surgem como protagonistas. Neste artigo, explicamos de forma acessível o que são as aneuploidias segmentares, por que o espermatozoide pode provocá-las, quais fatores de risco estão envolvidos, e apresentamos estratégias práticas e aplicáveis para reduzir o risco e melhorar o prognóstico reprodutivo.
De onde vêm as aneuploidias embrionárias?
Na fertilização humana, o embrião recebe metade do material genético da mulher (óvulo) e metade do homem (espermatozoide). Durante muitos anos, acreditou-se que os erros cromossômicos embrionários eram quase exclusivamente de origem materna, por causa do processo da meiose no ovócito, que permanece em arresto por décadas e se torna vulnerável ao erro.
Índice
ToggleEssa suposição permanece correta para grande parte das aneuploidias completas, como trissomias ou monossomias, que se relacionam fortemente com a idade materna. No entanto, quando observamos aneuploidias segmentares (alterações parciais de cromossomos), o padrão é distinto:
- A frequência delas não aumenta com a idade materna.
- Elas aparecem em mulheres jovens ou mais velhas com frequência semelhante.
- Há evidência crescente de que o fator masculino tem papel significativo.
Assim, o foco clínico e laboratorial deve evoluir para considerar o papel paterno com a mesma atenção dada ao materno. A investigação masculina ganha relevância, especialmente nas falhas de implantação, abortamentos recorrentes ou embriões com aneuploidias segmentares detectadas via PGT-A.
Definição e Classificação das Aneuploidias Segmentares
As aneuploidias segmentares são alterações genéticas que envolvem ganho (duplicação) ou perda (deleção) de apenas uma parte de um cromossomo, e não do cromossomo inteiro. Podem resultar de erros meióticos (na formação dos gametas) ou mitóticos (nas primeiras divisões do embrião).
Classificação:
- Natureza da alteração
- Deleções: perda de uma região cromossômica.
- Duplicações: ganho extra de uma região.
- Rearranjos complexos: combinação de perda e ganho em diferentes segmentos.
- Localização da alteração
- Terminal: na extremidade do cromossomo (ex: 1p36).
- Intersticial: entre dois loci internos.
- Subtelomérica: próxima ao telômero.
- Extensão do segmento
- 20 Mb (megabases): geralmente incompatíveis com desenvolvimento.
- 10–20 Mb: associadas a risco elevado de aborto.
- <10 Mb: podem gerar síndromes específicas (ex: deleção 22q11.2, 1p36).
- Momento de origem
- Meiótica: durante a formação do gameta (óvulo ou espermatozoide).
- Mitótica (pós-zigótica): durante as divisões iniciais do embrião, podendo gerar mosaicismo.
- Esse tipo de alteração pode levar a:
- Falhas de implantação.
- Abortos espontâneos.
- Embriões de divisão mais lenta.
- Síndromes genéticas específicas.
A relevância clínica dessas distinções está no fato de que as segmentares se comportam de modo diferente das aneuploidias completas, e isso afeta a abordagem diagnóstica, prognóstica e terapêutica.
Por que isso importa:
Porque ao contrário das aneuploidias completas, as segmentares:
- Não aumentam com a idade da mulher.
- Aparecem em mulheres jovens e mais velhas na mesma frequência.
- Podem ser causadas por alterações no DNA do espermatozoide.
- São cada vez mais detectadas com o PGT-A moderno.
Evidências de Origem Paterna das Aneuploidias Segmentares
Estudos recentes modificaram significativamente nossa compreensão sobre origem das aneuploidias segmentares.
- Um estudo de Effect of sperm DNA fragmentation on the incidence and origin of chromosome segmental aneuploidy (Gao et al., 2023) mostrou que altos níveis de fragmentação de DNA espermático estão associados ao maior risco de aneuploidias segmentares.
- Outro estudo de Human embryos with segmental aneuploidies display slower cleavage across first cell cycles (Figliuzzi et al., 2025) demonstrou que embriões com segmentares demoram mais nas primeiras divisões celulares, o que sugere comprometimento no reparo ou no empacotamento genético.
- Em relação à idade paterna, o artigo Adverse impact of paternal age on embryo euploidy (Geng et al., 2025) mostrou que homens de idade mais elevada apresentavam taxas mais altas de aneuploidia embrionária (60,21% vs 41,03%) mesmo quando a mulher era jovem.
- O estudo The impact of paternal age on cumulative assisted reproductive outcomes (Farabet et al., 2024) apontou que idade paterna ≥ 46 anos foi associada a menor taxa de nascidos vivos cumulativos em cycles de FIV, sugerindo que a qualidade espermática influencia os desfechos.
- O artigo Variation in the incidence and type of full versus mosaic segmental aneuploidy (Cuman et al., 2024) encontrou que as aneuploidias segmentares, tanto completas quanto mosaicas, se associavam a pior qualidade de blastocisto e desenvolvimento embrionário comprometido.
Esses dados fortalecem a hipótese de que, nas aneuploidias segmentares, a contribuição paterna não apenas existe, mas pode ser significativa, mesmo em mulheres com idade avançada ou ótima função ovariana.
Causas Masculinas Relacionadas às Aneuploidias Segmentares
Diferente das aneuploidias completas (como trissomia 21), que estão fortemente ligadas à idade da mulher e falhas meióticas do ovócito, as aneuploidias segmentares parecem depender mais de fatores masculinos. Eis os principais:
- Fragmentação do DNA espermático
A fragmentação, que são quebras no DNA do espermatozoide, é atualmente o fator mais documentado. Estudos mostram que níveis elevados (>30 %) se associam a aumento de aneuploidias segmentares.
Essa fragmentação pode ocorrer por:
- estresse oxidativo testicular
- tabagismo, álcool, uso de anabolizantes
- obesidade
- varicocele
- exposição a calor excessivo ou radiação
- infecções genitais crônicas
- idade paterna avançada
- Idade paterna avançada
Aos 40–45 anos, o espermatozoide acumula mais danos oxidativos, há desequilíbrio na troca de histonas por protaminas (que empacotam o DNA) e maior instabilidade genômica.
O estudo de Farabet et al. (2024) e Geng et al. (2025) confirmam: homens mais velhos produzem embriões com maior taxa de aneuploidias.
- Falhas nos mecanismos de reparo de DNA
Mutação ou baixa expressão de genes importantes no reparo (como ATM, BRCA1/2, MSH2, MLH1) dificultam a correção das quebras durante a espermatogênese, favorecendo perdas ou duplicações segmentares.
- Condições testiculares ou inflamatórias
Varicocele, orquite, febre prolongada, exposição a substâncias gonadotóxicas ou anabolizantes elevam o estresse testicular, comprometem a integridade do DNA espermático e aumentam o risco de erros estruturais cromossômicos.
- Defeitos de recombinação (sem fragmentação)
Ocorre quando os cromossomos trocam material de forma incorreta durante a espermatogênese.
- Empacotamento inadequado do DNA (protaminação falha)
Mesmo sem fragmentação, deixa o DNA de espermatozoide instável.
- Fatores ambientais tóxicos
Pesticidas, metais pesados, radiação, solventes, poluição urbana, etc.
Origem das aneuploidias
- Aneuploidias completas (ex: trissomias) → predominantemente maternas
- Aneuploidias segmentares → contribuição paterna relevante; não dependem da idade materna
Consequências clínicas
- Ao detectar segmentares via PGT-A, é essencial investigar o fator masculino tanto quanto o feminino
- A fragmentação do DNA espermático, a idade paterna, a varicocele e/ou condições inflamatórias testiculares devem estar na linha de investigação
- Técnicas laboratoriais avançadas de seleção espermática (MACS, IMSI, PICSI, ZyMot) podem melhorar os resultados
- A seleção de embriões por PGT-A segue sendo importante, mas é preciso avaliação criteriosa da origem e do contexto funcional da aneuploidia segmentar
Destaque recente
O estudo de Cheng et al. (2025) sobre viabilidade de embriões com segmentais mostrou que a taxa de concordância entre biópsia de trofectoderme (TE) e massa celular interna (ICM) era baixa para esses embriões (25%), o que sugere necessidade de cautela na interpretação e transferência desses casos.
Estratégias de Prevenção e Redução de Risco
Embora não seja possível eliminar totalmente o risco de aneuploidia segmentar, várias intervenções podem reduzir sua probabilidade:
- Diagnóstico e tratamento de varicocele e infecções testiculares
- Modificação de hábitos de vida: cessar tabagismo, álcool, uso de drogas/anabolizantes
- Controle de peso corporal, evitar sobreaquecimento testicular (sauna, banho muito quente, notebook no colo)
- Avaliação da fragmentação do DNA espermático (SCSA, TUNEL, Comet) em casos de falhas repetidas
- Uso de seleção espermática avançada: MACS, IMSI, PICSI, ZyMot
- Realização de PGT-A em casos de falhas sucessivas ou padrão recorrente de aneuploidias
- Suplementação antioxidante (sob orientação) como Coenzima Q10, carnitina, zinco, vitamina C, E, selênio
Explanação Didática para Pacientes
Mesmo que a mulher já tenha idade avançada, uma aneuploidia segmentar no embrião pode ter sido causada pelo espermatozoide, não pelo óvulo.
Essas alterações não se relacionam diretamente com a idade da mulher, mas sim com a qualidade do DNA do espermatozoide.
Conclusões
As aneuploidias segmentares representam um desafio específico e relativamente distinto das aneuploidias completas. Elas não se relacionam diretamente à idade materna, e a contribuição paterna – via dano ao DNA espermático, idade, falha de reparo genômico ou condições testiculares – emerge como um fator relevante.
Para a prática clínica em reprodução assistida, isso significa que a investigação do fator masculino deve acompanhar a feminina com a mesma intensidade. Técnicas de seleção espermática, análise de fragmentação de DNA e PGT-A são ferramentas úteis, mas devem ser integradas a uma visão de casal.
Reconhecer a origem paterna das aneuploidias segmentares define um paradigma mais justo e completo: a fertilidade é um fenômeno compartilhado, em que a qualidade do óvulo e do espermatozoide convergem para o sucesso embrionário.
Perguntas e Respostas: Alterações cromossômicas (aneuploidias) podem vir do pai?
É uma alteração no número ou estrutura dos cromossomos do embrião, o que pode impedir seu desenvolvimento ou causar síndromes.
É quando falta ou sobra apenas uma parte de um cromossomo, em vez do cromossomo inteiro.
Não. Nas aneuploidias segmentares, frequentemente a origem é masculina, ligada ao espermatozoide.
Porque pode haver quebras no DNA espermático causadas por estresse oxidativo, calor, tabagismo, varicocele, anabolizantes ou idade.
Sim. A partir de 40-45 anos o risco de alterações no DNA espermático aumenta, o que pode levar a embriões com alterações.
Para aneuploidias segmentares, não tanto. Mesmo mulheres jovens podem ter embriões com alterações de origem paterna.
Depende do tamanho e da localização da alteração. Muitas vezes o embrião não se desenvolve; se for pequeno, pode gerar síndromes.
Por meio de testes como o PGT-A, que avalia os cromossomos no embrião antes da transferência.
Sim, com hábitos saudáveis, tratamento do fator masculino, redução de calor testicular e seleção espermática de qualidade.
Consultar um especialista, avaliar o espermatozoide (fragmentação, varicocele, exposição a toxinas), e usar técnicas modernas de reprodução assistida.
Referências Bibliográficas
- Gao J, et al. “Effect of sperm DNA fragmentation on the incidence and origin of chromosome segmental aneuploidy.” 2023.
- Figliuzzi M, et al. “Human embryos with segmental aneuploidies display slower cleavage across first cell cycles.” Fertil Steril. 2025.
- Geng T, et al. “Adverse impact of paternal age on embryo euploidy.” [Journal] 2025.
- Farabet C, et al. “The impact of paternal age on cumulative assisted reproductive outcomes.” Med. 2024.
- Cuman C, et al. “Variation in the incidence and type of full versus mosaic segmental aneuploidy.”
- Cheng EH, et al. “Assessing the Viability of Segmental Aneuploid Embryos: A Chromosomal Concordance Study of 175 Human Blastocysts.” Int. J. Mol. Sci. 2025.
- Baran V, et al. “The Consequences of DNA Damage in the Early Embryo.” J. Mol. Sci. 2025.
- Oltramare VE, et al. “Changes in sequencing technology used for PGT-A.”
- Leigh D, et al. “PGDIS position statement on the transfer of mosaic embryos.” Biomed. Online. 2022.
- Tomic M, et al. “The Role of Preconception Parental Health on Embryo Quality—Preliminary Results of a Prospective Study.”