Para um casal engravidar, é necessário que tanto o homem como a mulher tenham um organismo saudável e funcionando adequadamente. A mulher deve ovular e o caminho a ser percorrido pelo óvulo e pelos espermatozoides deve estar completamente livre. A gravidez pressupõe relações sexuais adequadas que devem acontecer na época da ovulação, seguida da fecundação e da implantação dos embriões.
Na pesquisa da fertilidade, leva-se em consideração cada uma das etapas no processo de reprodução. Para cada uma delas solicitam-se exames básicos que visam afastar ou confirmar hipóteses e diagnósticos. Em termos didáticos, são seis os fatores que devem ser pesquisados e que podem atrapalhar um casal a ter filhos. Entretanto, é importante lembrar que cerca de 15% dos casais não conseguem a gestação durante um determinado período e não se encontram justificativas médicas para esta dificuldade. Consideraremos como o sexto fator, portanto, a chamada Infertilidade Inexplicável ou Infertilidade Sem Causa Aparente (ISCA).
Fatores de infertilidade na mulher
- Fator hormonal e fator ovariano: problemas hormonais da mulher e da ovulação.
- Fator anatômico: pesquisa da integridade anatômica do útero, tubas, colo uterino e aderências.
- Fator endometriose.
- Outros: fatores imunológicos e trombofilias.
- Infertilidade de causas genéticas/cromossômicas.
1. Fator hormonal e fator ovariano
Esse fator responde por cerca de 50% dos casos de infertilidade por causa feminina, seja por anovulação ou por um defeito da mesma (disovulia). A pesquisa hormonal pode ser dividida em:
Pesquisa hormonal básica: deve-se descartar alterações tireoidianas e de prolactina nas pacientes inférteis Assim, sempre devem ser pedidos
Prolactina
TSH (hormônio estimulador da tireoide)
T4 livre
Anticorpos antitireoidianos (antitireoglobulina e antiperoxidase)
Nestes exames de sangue, aproveita-se para avaliar as vitaminas e minerais dando maior ênfase ao ácido fólico, ácido ascórbico, e as vitaminas do complexo B, a vitaminas A, D, E, K; Aos minerais como cálcio, fósforo, ferro, zinco, cobre, sódio, magnésio, flúor e iodo.
Pesquisa de reserva ovariana
a) FSH, LH e Estradiol (entre o 3º e o 5º dia do ciclo menstrual): FSH maior que 10 mUI/ml e estradiol maior que 35 pg/ml geralmente sugerem baixa reserva ovariana. Assim, sabe-se que não se pode adiar muito o tratamento e a tendência será avançar mais rapidamente para técnicas de reprodução assistida de alta complexidade, além de alertar sobre o risco da paciente ser uma “má respondedora” aos estímulos hormonais. Por outro lado, apesar de FSH menor que 10 mUI/ml e estradiol menor que 35 pg/ml geralmente sugerirem uma “boa respondedora” aos estímulos hormonais, este exame é pouco sensível, e, portanto, a normalidade não descarta a baixa reserva ovariana.
b) Hormônio antimulleriano (AMH): hormônio produzido pelas células da granulosa de folículos pré-antrais e antrais iniciais (menores de 8 mm) (Figura 2-1). Reflete o número não só dos folículos em desenvolvimento como em todos os estágios anteriores. Dessa forma, quanto maior o número de folículos remanescentes, maior sua concentração sérica, sendo, juntamente com a contagem de folículos antrais, a medida mais fidedigna de reserva ovariana e o principal preditor de resposta ovariana ao estímulo hormonal. Esse exame tem ainda a vantagem de poder ser dosado em qualquer fase do ciclo menstrual, já que apresenta pouca variabilidade inter e intraciclo (Quadro 3-1).
c) Hormônio antimulleriano (AMH): hormônio produzido pelas células da granulosa de folículos pré-antrais e antrais iniciais (menores de 8 mm). Reflete o número não só dos folículos em desenvolvimento como em todos os estágios anteriores. Dessa forma, quanto maior o número de folículos remanescentes, maior sua concentração sérica, sendo, juntamente com a contagem de folículos antrais, a medida mais fidedigna de reserva ovariana e o principal preditor de resposta ovariana ao estímulo hormonal. Esse exame tem ainda a vantagem de poder ser dosado em qualquer fase do ciclo menstrual, já que apresenta pouca variabilidade inter e intraciclo (Quadro 3.1).
Quadro 3.1 – Variação intraciclo do AMH *La Marca et al. Hum Reprod Update. 2010;16(2):113-30.
Considerando-se que a reserva ovariana diminui ao longo da vida da mulher, a curva de declínio fisiológica do AMH é esperada, tornando-se indetectável cerca de cinco anos antes da menopausa (Quadro 3.2). Assim, espera-se que uma mulher mais velha tenha valores de AMH menores que as jovens. Entretanto, independentemente da idade, a dosagem do AMH prediz muito bem o risco de uma má resposta e ainda tem a vantagem de predizer as pacientes com risco de uma hiper-resposta, podendo auxiliar na escolha do melhor protocolo de estimulação e dosagem, evitando complicações como a síndrome da hiperestimulação ovariana. É importante ressaltar que este exame consegue prever a resposta ovariana em quantidade (número de óvulos e embriões conseguidos), mas não prediz a qualidade oocitária e, portanto, não prediz com segurança a chance de gravidez. A idade ainda é o melhor preditor de gravidez.
Quadro 3.2 – Curva do AMH ao longo dos anos *La Marca et al. Hum Reprod. 2006;21(12):3103-7.
Quanto a prognóstico de resposta, a interpretação dos resultados do AMH deve ser feita independentemente da idade. Não existe consenso sobre valores de corte. O Quadro 3.3 lista os adotados pelo IPGO.
Quadro 3.3 – AMH x resposta ovariana esperada Obs.: alguns laboratórios emitem resultado do AMH em pmol/L. Neste caso, a conversão é: pmol/L ÷ 7,14 = valor em ng/mL.
Além disso, o resultado também deve ser interpretado dentro do esperado ou não para a idade, pois mulheres com valores de AMH abaixo do esperado devem ser alertadas sobre o risco de uma falência ovariana precoce.
Ultrassonografia: realizada entre o 3º e o 5º dia do ciclo menstrual, avalia o tamanho, o volume dos ovários e a presença de folículos antrais. A contagem de folículos antrais (antral follicle count – AFC) abrange todos os folículos de tamanho entre 2 e 10 mm. Tem a vantagem de ser mais barata que a dosagem do AMH, mas com acurácia semelhante em predizer tanto má resposta como hiper-resposta. A desvantagem é precisar ser realizada em um período específico do ciclo e com muita variação inter-observador.
Quadro 3.4 – Contagem de folículos antrais (AFC) x resposta ovariana esperada
Pesquisa da ovulação: pelo histórico, já podermos inferir se os ciclos são ovulatórios ou não. Mulheres com ciclos regulares têm alta chance de estar ovulando normalmente, enquanto pacientes com irregularidade são, em geral, anovulatórias. Investigar a ovulação é essencial e o diagnóstico da sua existência ou ausência é fornecido pelo conjunto dos métodos indiretos listado abaixo:
a) Dosagens de progesterona sérica no 21º dia do ciclo menstrual: valores acima de 1,5 mg/ml são sugestivos de ovulação.
b) Biópsia de endométrio: feita entre o 19º-26º dia do ciclo menstrual, através de anátomo-patológico mostrando endométrio secretor. Não indicamos como rotina, uma vez que dispomos de outros exames menos invasivos.
c) Ultrassonografia transvaginal seriada: por meio deste exame, acompanha-se o crescimento do folículo que, nos momentos que antecedem a ovulação, atinge seu tamanho máximo (mais ou menos 20 mm). Se houver ovulação, este folículo se transforma em corpo lúteo. O acompanhamento ultrassonográfico da ovulação prevê facilmente o dia mais fértil da mulher em determinado mês.
2. Fator anatômico
Esse fator consiste na pesquisa de alterações do órgão reprodutor que possam impedir o encontro do espermatozoide com o óvulo dentro das tubas e a consequente fecundação ou que dificultem a implantação do embrião no endométrio e seu crescimento. O útero e as tubas devem exibir normalidade na sua morfologia e no seu funcionamento. As alterações ocorrem em 20% a 30% dos casos de infertilidade de causa feminina. As alterações podem ser a congênitas (malformações mullerianas), patologias adquiridas (miomas ou pólipos) ou sequelas de processos inflamatórios, infecciosos ou de procedimentos cirúrgicos.
Essa pesquisa pode ser dividida em:
Pesquisa Básica
a) Ultrassonografia transvaginal: é importante na avaliação inicial da paciente infértil. Pode-se usar o ultrassom vaginal para diagnosticar uma variedade de problemas
No útero, por exemplo, pode-se diagnosticar:
- miomas uterinos (tamanho e localização);
- anomalias estruturais, como alterações do formato do útero (útero bicorno ou didelfo);
- pólipo endometrial (Figura 3.1);
- alterações anatômicas do endométrio. Ovários:
- cistos;
- tumores;
- aspecto policístico;
- reserva ovariana (CFA).
O ultrassom transvaginal, precedido de preparo intestinal e realizado por um médico especialista, também pode avaliar os quadros clínicos sugestivos de endometriose profunda com comprometimento intestinal e outros órgãos
Figura 3.1 – Pólipo endometrial ao ultrassom
b) Histerossalpingografia: é um raio X contrastado e constitui um importante exame para que o ginecologista avalie a integridade morfológica e funcional das tubas e da cavidade uterina, essenciais na avaliação da fertilidade. O médico deve estar envolvido diretamente na interpretação e, sempre que possível, deve acompanhar a execução do procedimento. A avaliação das imagens do exame deve ser cuidadosa, verificando a presença de estenoses, sinéquias, septos, pólipos, malformações uterinas, obstruções tubárias e lesões mínimas tubárias. As anormalidade verificadas podem ser melhor avaliadas por videolaparoscopia e vídeo-histeroscopia. É interessante observar que até 20% das histerossalpingografias normais podem mostrar anormalidades na videolaparoscopia. Algumas anormalidades verificadas na histerossalpingografia podem ser vistas na Figura 3.2.
Figura 3.2 – Alterações vistas pela Histerossalpingografia *imagens cedidas por Dra. Cassia Danielle Domit
Pesquisa Especializada
a) Histerossonografia: neste procedimento ambulatorial, uma sonda especial é colocada no útero por via vaginal, e, através dela, injeta-se um fluido que distende a cavidade uterina, atinge as tubas e a cavidade pélvica. Tudo é acompanhado pelo ultrassom, que permite avaliar a anatomia da cavidade uterina e, indiretamente, dá a ideia da permeabilidade tubária pelo acúmulo de líquido intra-abdominal atrás do útero. Entretanto, este exame não substitui a histerossalpingografia para avaliação das tubas.
Figura 3.3 – Pólipo endometrial visualizado por Histerossonografia
b) Videolaparoscopia: o diagnóstico e o tratamento cirúrgico por videolaparoscopia devem ser feitos por profissionais com experiência em infertilidade e microcirurgia. Ao se detectar determinada alteração durante um exame, o cirurgião especializado em reprodução humana deve ter experiência e capacidade para discernir as reais vantagens de um tratamento cirúrgico. Caso contrário, os traumas dessa cirurgia poderão piorar ainda mais a saúde reprodutiva dessa paciente. As aderências constituem um obstáculo na captação dos óvulos pela(s) tuba(s), que deve(m) estar sem obstrução em toda a sua extensão. Muitas vezes, os órgãos aderem uns nos outros, impedindo que exerçam sua função adequadamente. Geralmente, isso provém de infecções pélvicas, endometriose ou cirurgias nessa região. O diagnóstico inicial é sugerido pela histerossalpingografia, mas a confirmação é feita por meio da videolaparoscopia, único exame que permite o diagnóstico definitivo e, concomitantemente, o tratamento cirúrgico.
Quando a resolução não for possível pela via endoscópica, deve-se realizar a cirurgia pelas técnicas convencionais, levando-se em consideração os princípios da microcirurgia.
c) Vídeo-histeroscopia: pode ser realizada e consultório e permite diagnosticar, na cavidade uterina, a existência de alterações, como miomas, pólipos, processos inflamatórios (endometrites), malformações e aderências, que são corrigidos cirurgicamente, quando necessário, pela mesma via, mas em ambiente hospitalar. A biópsia do endométrio pode ser realizada durante este exame.
d) Colo do útero: o muco cervical é importante no processo de fertilização, pois é nele que o espermatozoide “nada” em direção ao óvulo a ser fecundado. A análise desse fator é de suma importância e pode ser feita por meio da história clínica, avaliação do muco cervical, da vídeo-histeroscopia (se suspeita de estenose de colo) e da colposcopia.
3. Fator endometriose
Os indícios da existência dessa doença (Capítulo 14) podem ser verificados, além da história clínica, pela dosagem do marcador CA125 no sangue e também por imagem suspeita pelo ultrassom com preparo intestinal. É recomendável que esse exame seja realizado por profissionais especialistas nessa doença. Em casos mais avançados, ressonância magnética, ecocolonoscopia e urografia excretora devem ser solicitadas. Novos marcadores podem representar, no futuro, uma opção para pesquisa e tratamentos imunológicos dessa patologia. A videolaparoscopia é essencial para confirmar o diagnóstico e graduar o comprometimento dos órgãos afetados pela doença, podendo também atuar na cura através de cauterização e ressecção dos focos. Um especialista em endometriose deve avaliar o caso. O tratamento clínico medicamentoso complementar é uma alternativa que deve ser avaliada caso a caso.
4. Outros fatores
O fator imunológico tornou-se restrito e, atualmente, sua contribuição como causa de infertilidade é bastante limitada. Alguns testes como o pós-coito (ou Sims-Huhner), que consiste em identificar, sob a luz do microscópio, o comportamento dos espermatozoides em contato com o organismo feminino, já há algum tempo deixou de ser utilizado. Normalmente, ainda incluímos pesquisa de anticorpos anticardiolipina e anticoagulante lúpico, uma vez que a síndrome dos anticorpos antifosfolípedes pode ter relação com perdas gestacionais muito precoces e falha de implantação. Outros exames, incluindo outras trombofilias – antifosfatidilserina, Fator V de Leiden, mutação da metilenotetrahidrofolato redutase (MTHFR), mutação do gene da protrombina, beta-2-glicoproteína, antitrombina III, proteína C, proteína S e Polimorfismo 4G5G, além de dosagem de vitamina D e pesquisa de células Natural killers (NK) no endométrio podem ser indicados em situações específicas. Em alguns casos especiais, e somente mediante seleção cuidadosa, pode-se solicitar o exame Cross Match, que avalia a “rejeição” do embrião pelo organismo materno. Pesa contra a sua indicação a falta de evidências científicas.
5. Infertilidade de causas genético-cromossômicas (para o homem e para a mulher)
As causas genéticas/cromossômicas são consideradas uma causa de infertilidade por levar à formação de embriões aneuploides, com as consequentes falhas de implantação e a abortos muito precoces e nem sempre fáceis de serem diagnosticados. Dentre as causas cromossômicas, temos as inversões e translocações balanceadas. Essas alterações não causam problema algum em seu portador porque, apesar do material genético estar “no local errado”, ele o tem em quantidade adequada. Porém, no momento da gametogênese, podem ser produzidos gametas com falta ou excesso de material genético, gerando embriões com uma translocação ou inversão desbalanceada, que são, em sua maioria, incompatíveis com a vida ou podem gerar crianças com algum déficit cognitivo. Esses indivíduos podem ter como único sinal a infertilidade ou abortos de repetição. Por isso, junto a este grupo de exames, recomendamos acrescentar a pesquisa da integridade cromossômica do casal pelo cariótipo com banda G (46XX e 46XY), mesmo sem histórico de abortos pregressos.
Palavra da enfermagem do IPGO
A equipe de Enfermagem deve estar atenta para orientar e tranquilizar as pacientes quanto à quantidade de exames a serem realizados na pesquisa da fertilidade. Após a consulta médica, é natural que apresentem ansiedade, angústia e expectativas. Nesse momento, as dúvidas mais comuns são: o período exato a se realizar cada exame solicitado, a cobertura dos convênios, indicação de laboratórios e especialistas. Cabe à equipe de Enfermagem orientar, direcionar e prestar a assistência adequada, sempre de forma cordial e humanizada.
Este texto foi extraído do e-book “Manual Prático de Reprodução Assistida para a Enfermagem”.
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