Genética da Reprodução Humana
A infertilidade pode ocorrer devido a alterações hormonais, idade do casal, obesidade ou doenças infecciosas. Além disso, pode ser de origem imunológica, fisiológica, resultado de um procedimento cirúrgico ou estar associada a anomalias dos gametas feminino e masculino, como a baixa qualidade dos parâmetros morfológicos seminais. Dentro deste contexto, é difícil apontar precisamente qual é a contribuição da genética na modulação da fertilidade, já que todos os fatores citados estão sob o controle e a ação de genes. Entretanto, algumas alterações gênicas e cariotípicas específicas têm sido diretamente associadas com fenótipos de infertilidade; estas alterações serão discutidas a seguir.
RELEVÂNCIA DO EXAME DE CARIÓTIPO PARA UM CASAL INFÉRTIL
O cariótipo convencional ou cariótipo em banda G tem por objetivo determinar a condição cromossômica de um indivíduo e suas possíveis anomalias.
As alterações cromossômicas identificadas pelo exame de cariótipo podem ser numéricas ou estruturais. As alterações numéricas, chamadas de aneuploidias, consistem no ganho ou na perda de material genético, causando variação do número de cromossomos do cariótipo feminino (46,XX) ou masculino (46,XY). Variações na quantidade dos cromossomos sexuais nos cariótipos maternos (45,X ou 47,XXX) e paternos (47,XXY ou 47,XYY) estão fortemente associadas à diminuição da função dos ovários e testículos respectivamente.
As alterações cromossômicas estruturais não envolvem ganho nem perda de material genético, neste caso, ocorre uma variação na estrutura dos cromossomos, e as principais alterações cromossômicas estruturais observadas em cariótipos de casais inférteis são translocações e inversões. As translocações estão associadas com aproximadamente 5% dos casos de abortos de recorrência.
ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS NUMÉRICAS
Síndrome de Klinefelter (47,XXY)
Síndrome que acomete um em cada mil meninos e está associada ao cariótipo 47,XXY. Esta alteração no cariótipo masculino atua negativamente no mecanismo de espermatogênese, e a severidade desta síndrome é determinada pela presença ou ausência de linhagem celular normal no cariótipo do paciente. Homens Klinefelter puros, com 100% de suas células 47,XXY frequentemente são estéreis; já os cariótipos mosaicos (47,XXY/46,XY) permitem células germinativas funcionais, embora ainda com consequências negativas para a sua capacidade reprodutiva.
Existem evidências de que o ambiente testicular comprometido nestes homens leva ao aumento de erros na segregação cromossômica e, desta forma, homens com síndrome de Klinefelter e que se reproduzem apresentam maior probabilidade em ter filhos aneuploides, também portadores de síndromes cromossômicas.
Índice
ToggleHomens 47,XYY
Presente em um a cada mil meninos nascidos, 47,XYY surge por meio da não-disjunção do cromossomo Y na meiose paterna. A presença de duas cópias do cromossomo Y causa um desequilíbrio hormonal no ambiente gonadal, resultando em danos à espermatogênese. Assim como os pacientes Klinefelter, acredita-se que os homens 47,XYY férteis apresentam mosaicismo gonadal, permitindo em alguns casos, o desenvolvimento normal dos espermatócitos.
Síndrome de Turner (45,X)
A perda de um cromossomo X em cariótipos femininos é característica de pacientes com síndrome de Turner, cuja frequência populacional varia de um em 5 mil a um em 10 mil nascimentos. Tecido gonadal com hipoplasia e infantilismo sexual devido a haploinsuficiência dos genes homólogos XX ou XY, crucial para o desenvolvimento gonadal, garante a esterilidade completa na maioria das pacientes.
Cariótipos femininos em mosaico (45,X/46,XX) são compatíveis com a atividade ovariana e produção de gametas femininos, no entanto, é recorrente na literatura científica a sua associação com baixa reserva e falência ovariana precoce. O único cromossomo X, presente no cariótipo Turner, é originário da mãe em 75% dos casos, sendo que a causa predominante do 45,X é um espermatozoide com a perda de um cromossomo sexual.
Síndrome do Triplo X
O cariótipo 47,XXX é observado em uma a cada mil meninas nascidas. Em 95% dos casos, o cromossomo X extra é originário da mãe, e a incidência desta alteração está associada à idade materna avançada. A maioria das mulheres 47,XXX apresenta altura, peso e funções mentais normais, tem desenvolvimento pré-púbere normal e é fértil, mas tem início precoce da menopausa, em torno dos 30 anos de idade. Já foi relatada também a presença de quatro ou mais cromossomos X. A severidade dos sintomas aumenta proporcionalmente com a quantidade de cromossomos X presentes no cariótipo da paciente.
ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS ESTRUTURAIS
Alterações cromossômicas estruturais correspondem a aproximadamente 21% de todas as anomalias cromossômicas em nascidos vivos e estão diretamente relacionadas à infertilidade humana. As translocações recíprocas caracterizam-se pela troca de fragmentos de DNA entre cromossomos. Os portadores de translocações equilibradas, apesar de aparentemente saudáveis, apresentam um risco maior de gerar descendentes com cariótipos desequilibrados, portadores de anomalias congênitas e deficiência mental. Podem também apresentar abortos recorrentes e infertilidade.
As translocações são observadas em 1,23 para cada mil nascidos-vivos. A translocação mais frequentemente encontrada na população geral envolve os cromossomos 13 e 14, apresentando incidência de 0,97 para cada mil nascidos-vivos e alcançando uma frequência dez vezes maior entre homens inférteis. A causa da infertilidade nestes pacientes está diretamente relacionada ao processo meiótico e à formação de gametas aneuploides.
De 3% a 5% dos casais com perdas gestacionais recorrentes apresentam algum rearranjo cromossômico equilibrado, sendo que este tipo de anomalia é duas vezes mais frequente em mulheres do que em homens.
IDADE MATERNA ELEVADA
Muitos artigos científicos sugerem que a meiose feminina é mais suscetível a erros do que a masculina e também confirmam uma relação direta entre o avanço da idade materna e o aumento da taxa de alterações cromossômicas fetais. Uma possível explicação para este fenômeno é que, na meiose materna, o ponto de controle que regula o pareamento correto dos cromossomos não é tão rigoroso como na espermatogênese. Desta forma, quando existe um erro neste alinhamento, a meiose masculina é bloqueada, enquanto a meiose feminina tolera este problema e continua, originando gametas aneuploides.
A idade materna, além de estar correlacionada com um aumento do risco de abortos e do risco de gerar descendentes acometidos por anomalias cromossômicas, como as síndromes de Down (trissomia do 21), Edwards (trissomia do 18), Patau (trissomia do 13), Turner e Klinefelter, também está associada com a diminuição das taxas de implantação, e, portanto, com a diminuição da fertilidade.
PERDAS GESTACIONAIS RECORRENTES
Abortos de recorrência são comumente definidos como três ou mais abortos espontâneos em gestações com até 28 semanas, embora alguns estudos já considerem recorrentes duas ou mais perdas consecutivas. Além disso, já foi relatado que casais que apresentam pelo menos uma perda gestacional têm risco aumentado de aborto subsequente (25%), se comparados aos casais que já vivenciaram o nascimento de um bebê saudável (5%).
As perdas gestacionais em estágio precoce do desenvolvimento embrionário estão mais frequentemente relacionadas a problemas genéticos do que às mortes fetais tardias, sendo que a incidência de anomalias cromossômicas em perdas gestacionais de 8 a 11 semanas é de aproximadamente 50%, enquanto nas gestações de 16 a 19 semanas é reduzida para 30%.
A análise genética de restos ovulares sugere que as alterações mais frequentemente encontradas nestas amostras são trissomias dos cromossomos autossômicos (60%), monossomias do cromossomo X (20%) e poliploidia (20%).
PERDAS GESTACIONAIS ASSOCIADAS A MUTAÇÕES GÊNICAS
Muitas doenças com herança monogênica estão associadas às perdas gestacionais. Entre elas estão as hemoglobinopatias, síndromes de erro inato do metabolismo e trombofilias. É importante fazer distinção entre as síndromes diretamente responsáveis pela morte fetal e aquelas que estão presentes em muitos recém-nascidos e, por isso, são consideradas fatores de risco para a manutenção da gestação. Diferentemente do que já foi descrito anteriormente sobre síndromes cromossômicas, as mutações gênicas geralmente levam à interrupção tardia da gestação, causando a morte fetal durante o segundo e terceiro trimestres.
A consanguinidade aumenta o risco de doenças monogênicas e consequentemente eleva as taxas de abortos espontâneos e o nascimento de crianças afetadas por mutações gênicas de herança autossômica recessiva.
A alfa talassemia major é uma hemoglobinopatia, doença monogênica que pode causar perda fetal. A perda gestacional relacionada à alfa talassemia ocorre quando ambos os pais portam a deleção completa do gene responsável pela característica em um de seus alelos. Desta forma, o aconselhamento genético deve ser recomendado aos casais com histórico familiar de talassemia.
Várias síndromes metabólicas de herança autossômica recessiva também estão relacionadas às perdas fetais. Estas disfunções geralmente envolvem problemas na degradação, produção ou armazenamento de proteínas, gorduras e carboidratos ou ainda nos ciclos energéticos das células.
As mutações gênicas causadoras de trombofilia são as mais evidentemente associadas aos abortos de repetição. A trombofilia é um grupo heterogêneo de características herdadas que predispõem o indivíduo ao tromboembolismo, a complicações gestacionais e à perda fetal. Embora o mecanismo envolvido nesta doença seja pouco compreendido, a mutação em genes essenciais para a coagulação sanguínea pode resultar em um dano na vascularização coriônica, prejudicando a circulação uteroplacentária, levando à trombose. Por isso, casais com aborto de repetição devem pesquisar a presença de trombofilias.
AVALIAÇÃO GENÉTICA DA PERDA GESTACIONAL
Em geral, o cariótipo fetal é aconselhado em todos os casos de aborto após a décima semana de gestação. Os achados citogenéticos servirão como base para o aconselhamento genético do casal, auxiliando a tomada de decisão da família, além de determinar os riscos de recorrência. Quando a idade materna for elevada ou o diagnóstico por imagem identificar fetos com malformações, características dismórficas ou atraso de crescimento, a análise citogenética torna-se ainda mais indicada.
Aconselha-se também a realização do cariótipo em casos de perdas menores do que dez semanas de gestação em mulheres que sofreram três ou mais abortos. Como discutido anteriormente, alguns casais parecem ser predispostos a aneuploidias recorrentes. No entanto, a importância de se realizar o cariótipo no primeiro ou segundo aborto com menos de dez semanas de gestação ainda não é um consenso, embora a maioria das perdas gestacionais deste tipo seja causada por aneuploidias.
O cariótipo dos pais deve ser investigado em casais com perdas gestacionais recorrentes e é atualmente recomendado pelo Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia. Este exame permite aos médicos identificar a presença de uma alteração cromossômica estrutural em um dos pais, o que eleva o risco para as gestações futuras.
Como já foi mencionado, anomalias de herança monogênica não identificadas pelo cariótipo, também contribuem para alguns casos de perdas gestacionais. Os achados clínicos após autópsia e exames patológicos em material de aborto servem como indicação para o diagnóstico genético molecular de doenças específicas no casal. Por exemplo, se com a análise anatomopatológica forem evidenciadas características fetais, como hipoplasia pulmonar, hidrocefalia, rins policísticos, entre outras, é possível sugerir que os pais sejam portadores de mutação para a Síndrome de Meckel-Gruber.
O DIAGNÓSTICO GENÉTICO PRÉ-IMPLANTACIONAL (PGD)
Estratégias para evitar a recorrência de abortos ou proporcionar uma gestação saudável para casais inférteis dependem da causa da infertilidade e das falhas na manutenção da gestação. Famílias com alterações genéticas identificadas podem ser aconselhadas a fazer um tratamento reprodutivo, incluindo os diagnósticos pré-natal e pré-implantacional.
O diagnóstico genético pré-implantacional (PGD) envolve a interação entre as técnicas de reprodução assistida, a biópsia embrionária e análise genética do DNA obtido a partir das células biopsiadas.
A aplicação clínica desse método proporciona aos casais com alto risco reprodutivo maiores chances de terem filhos não afetados, identificando os embriões portadores de alterações genéticas e evitando que eles sejam transferidos para o útero materno. O PGD permite diminuir o risco de transmissão destas alterações em mais de 95%.
Desde as primeiras tentativas, na década de 1990, centenas de diagnósticos pré-implantacionais têm sido realizados, demonstrando uma crescente aceitação da metodologia por diferentes populações. Atualmente, sua indicação mais comum é o screening para aneuploidias em embriões gerados por mulheres com idade avançada, com histórico de doença genética na família ou com alguma alteração no cariótipo dos pais.
Mesmo com o conhecimento de que erros na divisão meiótica materna ou paterna podem gerar embriões portadores de alterações cromossômicas, o que tem sido relatado como a principal causa tanto de falhas de implantação quanto de morte e perda embrionária, ainda parece estar distante da nossa compreensão que, alguns homens e mulheres apresentam uma predisposição em gerarem embriões aneuploides de forma recorrente, devido a um processo meiótico ineficiente.
Isto pode explicar os casos de abortos espontâneos repetidos em casais com cariótipos normais e por que alguns casais não obtêm sucesso nos procedimentos de fertilização in vitro. Nessas situações, se fossem transferidos apenas embriões euploides, a taxa de abortos poderia diminuir e a de implantação aumentar.
A coleta de material é realizada por meio de uma biópsia do embrião realizada no terceiro ou quinto dia de desenvolvimento e analisada de diferentes formas: FISH (Fluorescence In Situ Hybrydization), CGH (Hibridação Genômica Comparativa), SNP com Apoio a Parenteal e NGS (Next Generation Sequencing).