Casos de supergonorreia, por exemplo, já assustam especialistas; doença pode se tornar incurável
Jornais, especialmente do exterior, vêm divulgando reportagens falando de uma nova versão de gonorreia, de cepa altamente resistente a medicamentos, que surgiu na Inglaterra. Ela está sendo chamada de “supergonorreia” e especialistas ingleses chegaram a sugerir que ela possa se tornar uma doença incurável devido a sua resistência a novos antibióticos. Segundo os órgãos de saúde de lá, as pesquisas sobre os casos de gonorreia resistente antimicrobiana estão em curso e as pessoas afetadas, por enquanto, são tratadas com antibióticos alternativos.
A gonorreia é uma infecção bacteriana sexualmente transmissível. Se não tratada, pode levar à doença inflamatória pélvica, gravidez ectópica e infertilidade, tanto em homens quanto em mulheres. E é justamente a faixa etária jovem, 16 a 24 anos, que está sendo mais afetada. Se essas pessoas não se cuidarem, entre outros problemas, podem não conseguir ter filhos no futuro.
Micróbios
Os micróbios do organismo, que juntos são chamados de microbioma humano ou microbiotas, são a coleção de trilhões de micróbios que vivem naturalmente no corpo humano e, provavelmente, desempenham papel importante em muitos processos básicos da vida. São organismos que só podem ser vistos ao microscópio. Incluem os vírus, as bactérias, os protozoários, as algas unicelulares, os fungos (as leveduras unicelulares assim como os demais fungos pluricelulares) e os ácaros.
“O ser humano é o resultado dos genes provenientes de um espermatozoide e um óvulo que se juntaram e que receberam dos pais cerca de 20 mil genes. Este número é insignificante comparado aos 3,3 milhões de genes pertencentes às bactérias alojadas em nosso corpo, as quais exercem também a função de liberar micronutrientes essenciais e energia para o consumo diário, regular o sistema imunológico e proteger o nosso organismo contra germes virulentos (micróbios do ‘bem’)”, afirma o ginecologista-obstetra especialista em medicina reprodutiva Arnaldo Cambiaghi, diretor do Centro de reprodução humana do (IPGO).
Entre os “do bem” está o Lactobacillus acidophilus que é também chamado de bactéria “amigável”, pois protege contra a entrada e proliferação de organismos ruins que podem causar doenças. Outras bactérias amigáveis e também chamadas micróbios do “bem” incluem: L. bulgaricus, L. reuteri, L. Gasseri, L. Iners, L. Crispatus, L. Jenseni, L. plantarum, L. casei, B. bifidus, S. salivarius, S. thermophilus e Saccharomyces boulardii. Por isso, a visão de que os germes são inimigos a ser combatidos, num mundo cada vez mais higiênico e estéril, pertence ao passado. A maioria dos micróbios associados aos seres humanos parecem não ser prejudicial, mas, sim, ajudar na manutenção de processos necessários para um corpo saudável. Tanto precisamos deles para sobreviver quanto eles dependem de nós. Eles são importantes para a nossa existência.
“Enquanto o ser humano tem cerca de 70 trilhões de células, em seu intestino existem 100 trilhões de bactérias. Além disso, outros 600 trilhões de bactérias são encontrados em sua pele (10 mil em cada dois centímetros), boca, cavidade nasal, seios da face e aparelho geniturinário. Durante a gravidez, o bebê que ainda está no útero deve ser mantido em ambiente estéril, mas, no nascimento, os micróbios são adquiridos através do contato com os familiares e com os que os cercam. Desse modo, o microbioma irá adquirir características únicas, que nos distinguirão dos demais seres humanos, assim como nossa aparência física”, afirma o médico.
Micróbios do “mal”
O interior do útero é geralmente considerado estéril, mas alguns estudos utilizando exames de cultura do endométrio (película que reveste o útero por dentro e onde o embrião se implanta) já demonstraram, neste local, crescimento de um ou mais microrganismos, com vários micróbios, do “bem” e do “mal”. Diferentes bactérias da vagina podem proliferar de forma exagerada causando corrimento vaginal e, em algumas situações, ascender ao útero causando infecção intrauterina e até mesmo intra-abdominal. As principais bactérias são:
Gonorreia é uma infecção causada pela bactéria Neisseria gonorrhoeae, transmitida por via sexual, altamente contagiosa. Geralmente afeta o colo do útero, mas pode estar presente na uretra, no reto ou na garganta. Pode ser assintomática ou provocar corrimento vaginal, dores e mal-estar urinário. A gonorreia também é uma das maiores causas de inflamação pélvica, que danifica as trompas de Falópio, levando à infertilidade e aumento da incidência da gravidez ectópica. Na gravidez, a gonorreia é perigosa para o bebê, especialmente se o nascimento for por parto normal, pois a criança pode ser contaminada pela bactéria presente na região genital da mãe infectada. Neste caso, o bebê corre o risco de ter conjuntivite neonatal e, por vezes, cegueira e infecção generalizada, com necessidade de tratamento intensivo.
Cambiaghi alerta: “Durante a gravidez, embora a probabilidade de o bebê ser infectado seja menor, a gonorreia está associada ao risco aumentado de aborto espontâneo, infecção do líquido amniótico, nascimento antes do tempo, rompimento prematuro de membranas e morte do feto. No pós-parto há um risco acrescido de doença inflamatória pélvica e de disseminação da infecção com dores nas articulações e lesões na pele”.
Gardnerella vaginalis. É a principal bactéria causadora da Vaginose Bacteriana, que também pode ser causada por outras bactérias como Peptostreptococcus e Ureaplasma urealyticum. Não é considerada uma doença sexualmente transmissível, uma vez que algumas dessas bactérias podem ser encontradas habitualmente no ser humano. No entanto, a transmissão ocorre também pelo contato íntimo ou relação sexual. A Vaginose é a causa mais comum do corrimento genital e a segunda causa de candidíase. Essa infecção desencadeia um desequilíbrio da flora vaginal fazendo com que a concentração de bactérias aumente devido a uma proliferação maciça de uma flora mista. Essa infecção pode prejudicar a saúde da mulher, sua fertilidade e a própria gravidez, portanto deve ser tratada com antibióticos.
Ureaplasma urealyticum é uma bactéria que pertence à família dos micoplasmas. Pode ser detectada no trato reprodutivo de um máximo de 40% dos indivíduos (homens e mulheres). O Ureaplasma provavelmente não impede a concepção normal na maioria dos casos, porque a cavidade uterina permanece estéril, mesmo em mulheres que possuem exames com o diagnóstico positivo para esta bactéria na mucosa vaginal. Embora a infecção por Ureaplasma raramente produza sintomas na mulher, no homem pode causar prostatite ou epididimite. O Ureaplasma pode ser transmitido a partir de um parceiro para o outro através de relações sexuais. Assim, as secreções do sistema reprodutor de ambos os parceiros devem ser avaliadas (esperma e muco cervical) individualmente. Quando Ureaplasma é detectado nas secreções reprodutivos de um dos parceiros, os dois devem ser tratados concomitantemente com os antibióticos apropriados.
Clamídia: infecção genital, causada pela bactéria Chlamydia trachomatis, ou simplesmente clamídia. É uma infecção que afeta tanto homens quanto mulheres, e que também pode atingir os olhos. Se não for tratada, pode ter consequências negativas para a saúde sexual e reprodutiva. A clamídia é frequentemente assintomática, especialmente para mulheres. Isto quer dizer que 70% das mulheres e 50% dos homens não sentem absolutamente nada de diferente, mesmo estando infectados.
“Mesmo quando há sintomas, é fácil confundi-los com os de outras doenças, como a candidíase ou a cistite. Quando a clamídia provoca sintomas, eles normalmente aparecem de uma a três semanas depois da contaminação. Eles podem perdurar por algum tempo ou ir embora em poucos dias. É importante tratar a clamídia, se a paciente estiver tentando engravidar, para evitar que haja danos ao aparelho reprodutivo. Se a futura gestante já tiver consequências mais graves, como a doença inflamatória pélvica, terá de ser tratada também para aumentar suas chances”, diz o médico.
A clamídia é uma das causas da infertilidade masculina e feminina. Nos homens, a bactéria pode causar inflamações nos epidídimos (epididimite) e nos testículos (orquite), capazes de promover obstruções que impedem a passagem dos espermatozoides. Nas mulheres, o risco é a bactéria atravessar o colo uterino, atingir as trompas e provocar a doença inflamatória pélvica (DIP). Esse processo infeccioso pode ser responsável pela obstrução das trompas e impedir o encontro do óvulo com o espermatozoide, ou então dar origem à gravidez tubária (ectópica), se o ovo fecundado não conseguir alcançar o útero. Mulher infectada pela Chlamyda trachomatis durante a gestação está mais sujeita a partos prematuros e a abortos. Nos casos de transmissão vertical na hora do parto, o recém-nascido corre o risco de desenvolver um tipo de conjuntivite (oftalmia neonatal) e pneumonia. Uma vez instalada a infecção, o tratamento consiste no uso de antibióticos específicos.
Streptococcus B é uma bactéria que causa morte em bebês prematuros e que é desconhecida por muitas gestantes. Um exame laboratorial realizado até 48 horas antes do parto normal elimina o risco. Sabe-se hoje que o Streptococcus é a bactéria mais frequentemente isolada dos quadros de sepse neonatal precoce, podendo ou não vir acompanhada de meningite, pneumonia, osteomielite etc – quadro este, não raro, fatal.
Em 1970, este microrganismo chamado também de Streptococcus beta-hemolítico do grupo B, ou simplesmente SBB, emergiu como o principal patógeno em UTIs neonatais, causando elevada mortalidade nos recém-nascidos. Essa bactéria, descoberta há quase 100 anos, coloniza o intestino humano, sendo parte da flora intestinal normal, podendo ou não estar presente nas fezes. A partir do intestino, o SBB pode se instalar no trato genital feminino (parede vaginal), sem apresentar qualquer sintomatologia clínica.
“O diagnóstico consiste em fazer duas culturas coletadas de locais diferentes: parede vaginal e ano-retal, e devem ser realizadas entre 35 e 37 semanas de gestação ou quando a mulher apresentar trabalho de parto ou ruptura de bolsa antes de 37 semanas. O resultado pode ser obtido em 30 horas ou menos, incluindo a prova de susceptibilidade aos antibióticos. Com esse resultado, o ginecologista saberá qual paciente deve ser medicada e com qual antibiótico. Importante salientar que somente a cultura pode identificar as mulheres que realmente necessitam ser medicadas, e assim evitar o uso indiscriminado de antibióticos”, conta Cambiaghi.
Penicilina é a droga de escolha e deverá ser prescrita para as mulheres com cultura positiva para estreptococo do grupo B. Existe também a indicação de tratamento para parturientes em trabalho de parto antes de 37 semanas e que não tenham o resultado da cultura. Esta bactéria está presente em cerca de 15% a 35% das gestantes ao longo da gravidez.
A infertilidade e os tratamentos de reprodução assistida
Além dos danos à fertilidade e os risco de complicações na gestação, esses micróbios do ”mal” podem interferir no sucesso dos tratamentos de reprodução assistida, tanto na inseminação intrauterina como na fertilização in vitro, no momento em que se realiza a transferência dos embriões. Estes organismos podem ser levados para dentro da cavidade uterina por meio de introdução de um cateter. “Vários estudos têm apoiado a hipótese de que micróbios no sistema reprodutor, no dia da inseminação intrauterina ou da transferência de embriões, afetam o resultado da gravidez. Vários autores demonstraram uma diferença nas taxas de gravidez entre os pacientes com infecção por ureaplasma que foram tratados com antibióticos e aqueles que não foram”, afirma Cambiaghi.
A importância dos exames antecipados e o uso dos antibióticos
Baseado no que foi dito, recomenda-se que todo casal (principalmente a mulher) que estiver planejando engravidar, ou que será submetido a tratamentos de fertilização assistida, realize exames laboratoriais específicos para a pesquisa desses micróbios prejudiciais à saúde. A constatação da presença dos micróbios do “mal” no sistema reprodutor da mulher, antes da gravidez, seja ela natural ou pelas técnicas de fertilização assistida, implicará em um tratamento com antibióticos definidos para cada caso.
Arnaldo Schizzi Cambiaghi é diretor do Centro de reprodução humana do IPGO, ginecologista-obstetra especialista em medicina reprodutiva, trilha sua carreira auxiliando casais na busca por um filho e durante toda a gestação. Membro-titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica, da European Society of Human Reproductive Medicine. Formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa casa de São Paulo e pós-graduado pela AAGL, Illinois, EUA em Advance Laparoscopic Surgery. O especialista além de autor de diversos livros na área médica como Fertilidade Natural, Grávida Feliz, Obstetra Feliz, Fertilização um ato de amor, e Os Tratamentos de Fertilização e As Religiões, Fertilidade e Alimentação, todos pela Editora LaVida Press e Manual da Gestante, pela Editora Madras. Criou também os sites: www.ipgo.com.br; www.fertilidadedohomem.com.br; www.fertilidadenatural.com.br, onde esclarece dúvidas e passa informações sobre a saúde feminina, especialmente sobre infertilidade. Apresenta seu trabalho em congressos no exterior, o que confere a ele um reconhecimento internacional.
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