A subfertilidade ou infertilidade conjugal é definida como a incapacidade de um casal engravidar após 12-18 meses de relações sexuais, excluído o uso de método contraceptivo (OMS). A condição de subfertilidade caracteriza-se quando a habilidade para conceber não está necessariamente ausente, mas apenas reduzida, O estado nutricional e o estilo de vida podem causar grande influência na fertilidade, tanto feminina quanto masculina. O conjunto de hábitos e práticas diárias, como o elevado consumo alcoólico, tabagismo, sedentarismo e consumo alimentar inadequado pode afetar a saúde reprodutiva de ambos.
Com a diminuição na taxa de fertilidade da população mundial e o aumento da procura por tratamentos que melhorem essa condição, o número de pesquisas na área cresceu. Diferentes estudos afirmam que o baixo peso (IMC menor que 17 kg/m2) e as condições de sobrepeso ou obesidade em mulheres (IMC maior que 25 kg/m2) estão associados ao aumento da infertilidade ou a desfechos gestacionais indesejados.
O estado nutricional e o estilo de vida masculino também exercem grande influência sobre a fertilidade. O conjunto de hábitos inadequados também pode afetar a saúde reprodutiva masculina. Acredita-se que os efeitos desses hábitos possam interferir negativamente na produção do sêmen, bem como na qualidade, quantidade e motilidade dos espermatozoides. Essas situações podem ocasionar alterações no funcionamento do sistema reprodutor e interferir negativamente na saúde reprodutiva de homens e mulheres.
Em estudo realizado com mulheres obesas que apresentavam problemas de fertilidade, observou-se que, após a redução de peso por meio de dieta e mudanças no estilo de vida, a função menstrual melhorou em 80% e a taxa de gravidez aumentou em 29%. Esses resultados foram explicados pela significativa diminuição nos níveis de insulina e de alguns hormônios androgênicos.
No processo de reeducação alimentar, além do organismo recuperar seu equilíbrio endócrino, outros pontos positivos são observados, incluindo a melhora do controle da pressão arterial, da glicemia e da adequação dos estoques de nutrientes que colaboram para a função reprodutiva, tanto feminina quanto masculina.
A mudança no comportamento alimentar é a intervenção mais efetiva e segura para a adequação do peso corporal, principalmente por ser natural e não possuir efeitos indesejados. A ideia de que promover uma alimentação saudável no modelo dominante durante grande parte da história da espécie humana favorece a reprodução é clara e óbvia. O homo sapiens evoluiu em um ambiente de alimentação baseada predominantemente em legumes, verduras e frutas, com consumo menos frequente e irregular de proteínas animais.
Se nos casos de obesidade a perda de peso está associada com a normalização das funções reprodutivas, o mesmo acontece com indivíduos desnutridos após o ganho de peso. A correção do peso, quando feita de forma saudável, pode melhorar tanto a frequência ovulatória quanto a qualidade do sêmen e aumentar a chance de se alcançar a fertilização. Assim, é importante, para o sucesso da fertilidade do casal, que ambos possuam uma condição física ideal e tenham como hábito uma dieta alimentar variada e adequada em qualidade e quantidade, com a priorização de alimentos importantes para a saúde reprodutiva.
É fundamental esclarecer que mudanças de hábito de vida são intervenções de importantíssimo impacto na saúde individual e pública, mas ainda com eficácia muito pequena do ponto de vista estatístico. A aderência ao tratamento proposto costuma ser baixa e pouco duradoura. Quando propomos alterações comportamentais, como cessação do tabagismo, atividade física e reeducação alimentar, devemos sempre enfatizar a importância da família – no caso específico, do parceiro – se juntar às mudanças, como forma de aumentar a chance de sucesso. Há evidências científicas robustas mostrando maiores taxas de sucesso em intervenções desse tipo quando são executadas com o apoio da família, de amigos ou até de grupos de ajuda.
Resumindo, quando um dos membros do casal necessitar de reeducação alimentar como tratamento de infertilidade, recomenda-se que ela seja aplicada a ambos, independentemente do peso. O casal saudável tem mais chances de engravidar. Esta é uma ótima forma de fortalecer os laços do casal em um projeto que, em última instância, é de ambos.
A adequação alimentar deve ser feita a partir de um ajuste realizado na ingestão calórica total, após avaliação da necessidade nutricional do indivíduo e prescrição de dieta adaptada para cada necessidade. Uma dieta nutricional pouco adequada, com baixa ingestão de vitaminas e minerais antioxidantes, está fortemente associada a resultados indesejados para a fertilidade da população.
O padrão alimentar mediterrâneo vem sendo recomendado como modelo de alimentação saudável. Este modelo é praticado em diferentes partes do mundo com efeitos benéficos para a saúde humana. Populações com hábitos mediterrâneos têm menor incidência de síndrome metabólica, hipertensão, dislipidemia e diabetes, além de maior expectativa de vida, principalmente quando contraposto ao padrão ocidental/americano, que é o dominante também no Brasil.
Vale ressaltar que a Dieta Mediterrânea não é apenas um padrão alimentar, mas também uma coleção de hábitos saudáveis tradicionalmente seguidos pelas populações dos países que se localizam ao redor do Mar Mediterrâneo, como Grécia, Espanha, Itália, Portugal, Marrocos, França, etc.
Já a prática regular de um padrão análogo à Dieta Mediterrânea é capaz de elevar as concentrações de nutrientes importantes para o funcionamento do sistema reprodutor, mais especificamente de vitaminas do complexo B e nutrientes antioxidantes, aumentando, assim, as chances de fertilidade. Estes dados originam-se de estudo realizado pela Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva (ASRM).
Um outro estudo do Centro Médico Universitário de Rotterdam, na Holanda, apresentou os benefícios da aderência ao padrão mediterrâneo por casais que apresentavam problemas de fertilidade e que estavam a caminho de realizar a fertilização in vitro (FIV). Esta pesquisa propôs dois modelos de dieta, dividiu os casais em dois grupos e comparou os resultados gestacionais após FIV entre ambos. Os resultados mostraram que ambos os padrões apresentaram alto consumo de alimentos benéficos para a saúde reprodutiva. No entanto, somente o padrão mediterrâneo aumentou a incidência de gestação após tratamento de fertilização in vitro.
A Dieta Mediterrânea tradicional possui características marcantes e que a transformaram no padrão alimentar mais saudável do mundo. Entre elas estão:
- abundância de alimentos frescos e naturais (frutas, vegetais, pães, cereais, batatas, feijões, oleaginosas e sementes);
- alimentos cultivados minimamente processados, respeitando a sazonalidade e a regionalidade;
- frutas frescas ou doces contendo açúcares ou mel, como sobremesas típicas, consumidos apenas em quantidades moderadas;
- azeite de oliva, como a principal fonte de gordura;
- produtos lácteos (principalmente queijos e iogurte) consumidos em quantidades moderadas;
- consumo médio de quatro ovos por semana;
- elevado consume de peixes e frutos do mar;
- carne vermelha consumida em baixas quantidades;
- vinho para acompanhar as refeições, em quantidade moderada.
Acreditamos que o padrão alimentar ideal para casais com baixas taxas de fertilidade toma como base a Dieta Mediterrânea, adaptada à realidade alimentar brasileira. O objetivo primordial é resgatar e aumentar o consumo de alimentos característicos do nosso país, respeitando a cultura, os costumes e o nível socioeconômico das populações e equilibrando os alimentos de forma a fornecer aos seus seguidores os mesmos benefícios provenientes da Dieta Mediterrânea.
As principais recomendações ao casal que pretende melhorar ou corrigir seu hábito alimentar atual, com o intuito de elevar as chances de uma gestação bem-sucedida, são:
- Aumentar o consumo de alimentos frescos e, preferencialmente, orgânicos. Isso significa aumentar o consumo de legumes e verduras, preferencialmente orgânicos, para, no mínimo, quatro porções por dia.
- Os alimentos frescos devem representar as maiores porções de alimentos a serem consumidos. Vegetais naturais, grãos integrais, massas frescas e caseiras, saladas frescas, frutas, oleaginosas, sementes e azeitonas devem pertencer ao hábito diário do casal que pretende engravidar.
- Todos esses alimentos, quando combinados adequadamente e consumidos de forma regular, são capazes de fornecer nutrientes essenciais (vitaminas e minerais), fibras e outros compostos associados à regulação das funções reprodutivas. O consumo esporádico não garante a manutenção das reservas nutricionais, nem permite o alcance das necessidades nutricionais importantes para o perfeito funcionamento do organismo.
- Incluir, no mínimo, três porções de frutas frescas ao dia, sempre que possível orgânicas, com o objetivo de reduzir a ingestão de pesticidas e outros compostos químicos empregados na produção desses alimentos. Estudo recente mostra que o consumo regular de frutas frescas correlaciona-se a uma menor incidência de síndrome metabólica e doenças cardiovasculares. Tal efeito não é observado com sucos, mesmo os naturais.
- Substituir os carboidratos refinados por gêneros integrais, como arroz, massas, cereais e pães preparados à base de farinhas minimamente processadas, como trigo integral, aveia, centeio e cevada. Carboidratos integrais têm inúmeros benefícios metabólicos quando comparados aos refinados. De digestão e absorção mais lentas, geram menor pico de insulina pós-prandial e aumentam a sensação de saciedade.
- Inserir azeite de oliva como principal fonte de gordura. São inúmeros os benefícios do uso dessa gordura para a saúde cardiovascular e reprodutiva. Possui ação antioxidante e cardioprotetor, graças à sua capacidade de elevar o HDL (o que é muito difícil de se conseguir farmacologicamente) e auxiliar na redução dos níveis de LDL. O ácido oleico, um dos principais e mais importantes constituintes do azeite, apresenta ação antitrombótica quando comparado com a ação das gorduras saturadas encontradas em produtos de origem animal.
O azeite de oliva está presente como um dos principais componentes da dieta mediterrânea e é empregado no preparo de pratos, utilizado como tempero e como aperitivo antes das refeições. Por ser saboroso, favorece o consumo de vegetais e legumes, aumenta a densidade calórica e favorece a biodisponibilidade de alguns nutrientes lipossolúveis.
É importante frisar que tais benefícios são descritos com azeites de acidez abaixo de 0,5%. O azeite com acidez superior a 0,5% pode ser empregado para preparação de pratos como refogados, grelhados e molhos, entre outros. Outra fonte bastante positiva de gorduras são as oleaginosas. Estudos em cardiopatas isquêmicos mostraram redução de risco cardiovascular quando à dieta padrão foi acrescentado o consumo de cerca de cinco castanhas por noite, não salgadas, naturalmente.
- Reduzir o consumo de alimentos lácteos. O padrão mediterrâneo apresenta baixo consumo de leite proveniente de diferentes animais, como ovelha, camelo, vaca, cabra e búfala. Esta adaptação à realidade brasileira deve representar um pequeno problema, visto que o consumo de leite e seus derivados é frequente e, habitualmente, em grandes quantidades. Recomenda-se o consumo diário de duas a três porções deste grupo alimentar, preferencialmente representado por leites frescos e seus derivados com baixo teor de gordura (semidesnatado).
- Adequar o consumo de proteínas animais. O padrão mediterrâneo tradicional apresenta consumo moderado de alimentos pertencentes a esse grupo. Já o padrão alimentar brasileiro apresenta elevado consumo desses alimentos. O consumo de carnes, especialmente bovina, suína e de cordeiro, não deve ultrapassar a média de quatro porções considerando as 14 principais refeições da semana (almoço e jantar). Deve-se dar preferência aos cortes magros e às preparações elaboradas com o acréscimo mínimo de gorduras. Priorize sempre as preparações com menor número de ingredientes, já que molhos à base de cremes e queijos, por exemplo, podem aumentar muito o valor calórico do prato. O consumo de pescados deve ser abundante e variado. Diversos estudos clínicos demonstram que há relação direta entre o consumo frequente e regular de peixes e níveis excelentes de HDL e o aumento das taxas de fertilidade, devido às suas propriedades nutricionais.
- Consumir moderadamente vinho e sucos naturais de uva (orgânica). O consumo considerado seguro e moderado seria a média de uma taça de vinho, de preferência tinto, ou um copo de suco concentrado natural de uva, de preferência orgânico, devido à maior concentração de resveratrol, composto antioxidante comprovadamente benéfico para a saúde humana. Durante a gestação, o consumo de álcool deve ser eliminado da rotina.
- Praticar atividade física regularmente. A população da região mediterrânea era intensamente ativa na época em que se iniciaram as pesquisas sobre o padrão, o que demonstra que os bons hábitos não estavam exclusivamente associados ao padrão alimentar. Sendo assim, a prática regular de qualquer atividade física deve ser incentivada para todos os casais interessados em melhorar seu estilo de vida em busca de uma gestação segura e bem-sucedida. Recomendamos, por exemplo, caminhadas de média intensidade no mínimo quatro vezes por semana, por 40 minutos..
Alimentos a serem priorizados e evitados
Para contribuir com a saúde reprodutiva do casal que pretende engravidar, serão apresentados, a seguir, os principais alimentos a serem priorizados e evitados em um processo de reeducação para aquisição de um novo hábito alimentar. Vale ressaltar que nenhum alimento está proibido e que, quando consumido com moderação, pode trazer alguns benefícios provenientes do prazer em comê-los.
Alimentos recomendados
a) Verduras: brócolis, rúcula, couve, agrião, espinafre, escarola, alface, entre outras.
b) Legumes: cenoura, abóbora, chuchu, beterraba, abobrinha, berinjela, tomate e cebola.
c) Cereais integrais: arroz, aveia, linhaça, gergelim, centeio, cevada, trigo e massas à base de farinhas integrais.
d) Oleaginosas: nozes, castanhas, amêndoas, pistache e avelãs.
e) Óleos vegetais: oliva, canola, girassol, algodão, milho, gergelim.
f ) Leguminosas: feijões, grão-de-bico, ervilhas, lentilhas e soja em grãos.
Glúten
Casais com infertilidade e abortos inexplicados devem fazer rastreamento para a doença celíaca. A intolerância ao glúten, chamada doença celíaca, é uma doença inflamatória crônica, caracterizada por intolerância ao glúten contido no trigo e em cereais afins. O glúten representa 80% das proteínas do trigo e é composto pela mistura de gliadina e glutenina.
A doença celíaca é causada por uma resposta imunológica do organismo mas, apesar de ser frequentemente chamada de alergia ao glúten, não é um processo alérgico e sim autoimune, que compromete a mucosa intestinal dificultando a absorção de nutrientes. Os sintomas característicos são a diarreia, vômito, perda de peso, dor abdominal, aumento de gases, “estufamento” e perda de apetite.
Entretanto, nem sempre este quadro clínico se apresenta tão bem definido. Pode haver sintomas exclusivos de infertilidade feminina e masculina devido a seus múltiplos efeitos na nutrição nos fatores de imunidade e nos hormônios ou estar associada aos sintomas característicos acima descritos. Os mecanismos não são totalmente claros, mas a infertilidade nestes casos é alta e normalmente reversível com o controle rígido da dieta.
O que se sabe hoje é que a doença celíaca provoca má absorção de nutrientes importantes para o sistema reprodutor, como ferro, ácido fólico, vitamina K, B12, B6 e outras vitaminas lipossolúveis, que poderiam ser também responsáveis por malformações congênitas. Muitas vezes o único sinal da doença, que é muitas vezes negligenciado, é a presença de subfertilidade ou a infertilidade, uma vez que muitas pesquisas apontam uma ligação entre sensibilidade ao glúten e desordens reprodutivas na mulher. Alguns estudos demonstraram que a prevalência de doença celíaca em mulheres com infertilidade inexplicada é maior do que a população em geral.
A doença celíaca é demonstrada em cerca de 1% da população geral enquanto nas mulheres, com infertilidade inexplicada, a prevalência é de até 8%. Portanto, é recomendável que, em mulheres com infertilidade inexplicada, faça-se o rastreamento desta doença.
Mulheres com sintomas discretos da doença celíaca podem ainda apresentar a primeira menstruação numa fase tardia da vida (menarca tardia), menopausa precoce e ainda maior frequência de amenorreia secundária (falta de menstruação).. Além disso, mesmo nos casos em que a gravidez é obtida, tem sido demonstrado que, em mulheres com doença celíaca não tratada, a taxa de aborto espontâneo é maior que a encontrada na população geral; nestes casos o risco relativo de aborto múltiplo e recém-nascidos de baixo peso é 8-9 vezes maior do que o da população geral.
Homens com doença celíaca podem ter disfunção gonadal, o que poderia levar a problemas de fertilidade.
As mulheres são diagnosticadas com maior frequência do que os homens: até 70% das pessoas diagnosticadas com a doença são do sexo feminino, em parte porque mais mulheres do que homens realmente têm a doença, e em parte porque as mulheres são mais propensas a procurar diagnóstico para os seus problemas de saúde. A infertilidade pode ser um sinal da doença.
Palavra da enfermagem do IPGO
Uma alimentação saudável é importante em todos os momentos da vida, mas torna-se ainda mais relevante em se tratando de fertilidade. As diversas opções de fast food, a correria do dia a dia e as refeições realizadas fora de casa dificultam a adoção de hábitos alimentares saudáveis. Cabe à Enfermagem orientar e, se necessário, direcionar o casal em busca de reeducação alimentar para a ajuda de profissionais específicos, como nutricionistas e nutrólogos, ampliando o envolvimento multiprofissional. Exames atualmente disponíveis ajudam a detectar a intolerância ao Glúten e, quando diagnosticada, esses profissionais podem auxiliar com a dieta adequada.
Este texto foi extraído do e-book “Manual Prático de Reprodução Assistida para a Enfermagem”.
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