Antes de contextualizarmos os impactos da Doença Falciforme, precisamos entender o que ela é e como se comporta no nosso organismo.
A Doença Falciforme, também conhecida como Anemia Falciforme, é uma doença genética causada por uma mutação no gene da hemoglobina, a proteína responsável pelo transporte de oxigênio no sangue. Essa mutação resulta na produção de hemoglobina anormal chamada Hemoglobina S(HbS). Em condições de baixa oxigenação, a HbS pode fazer com que os glóbulos vermelhos assumam uma forma de foice ou crescente, em vez da forma normal de disco. Esses glóbulos vermelhos falcizado são menos flexíveis e podem se agrupar, bloqueando pequenos vasos sanguíneos e interrompendo o fluxo de sangue. Isso leva a isquemia (falta de oxigenação) dos órgãos, causando crises dolorosas recorrente e um dano tecidual e funcional progressivo em órgãos e sistemas. O tratamento pode incluir transfusões de sangue, medicamentos, terapia de oxigênio e transplante de medula óssea em casos mais graves.
A anemia falciforme é uma diferente da anemia comum, também conhecida como anemia ferropriva, causada pela deficiência de ferro, que é necessário para a produção de hemoglobina. Essa deficiência pode ser resultado de uma dieta pobre em ferro, perda de sangue (como menstruação intensa ou úlceras) ou problemas de absorção do ferro. A falta de ferro leva à produção insuficiente de hemoglobina, resultando em glóbulos vermelhos menores e menos eficientes no transporte de oxigênio. Os sintomas comuns incluem fadiga, fraqueza, palidez, falta de ar, tontura e dores de cabeça.
O tratamento normalmente envolve suplementos de ferro (orais ou intravenosos), ajustes na dieta para incluir mais alimentos ricos em ferro e o tratamento da causa subjacente da perda de ferro.
Agora que já sabemos o que é a anemia falciforme e o que a difere da anemia comum, vamos entender seu impacto na fertilidade.
RISCOS E CUIDADOS NECESSÁRIOS PARA PORTADORES DE DOENÇA FALCIFORME
O homem portador da anemia falciforme pode desenvolver uma condição chamada Hipogonadismo, uma condição em que os testículos produzem pouca ou nenhuma testosterona. Isso pode ser por uma insuficiência do testículo ou por dano a hipófise, glândula que produz hormônios que estimulam o testículo a produzir testosterona e os espermatozoides. Outro sintoma que pode ocorrer é a ejaculação retrógrada devido ao dano nervoso e vascular associado à doença, resultando na passagem de sêmen para a bexiga em vez de sair pela uretra. Outro dano que pode estar relacionado a doença falciforme é o priapismo, que são ereções prolongadas e dolorosas que podem causar danos permanentes ao órgão sexual masculino, afetando a função erétil.
Todos os impactos mencionados acima podem causar infertilidade se não tratados, mas com ajuda de um especialista eles podem ser controlados e, muitas vezes, evitados.
Por outro lado, a mulher com doença falciforme deve ter cuidados redobrados durante a gravidez, pois a gestação pode apresentar risco materno-fetal. Estudos indicam que a gravidez pode agravar a anemia e aumentar as crises infecciosas e de dor, resultando em complicações como aborto espontâneo, pré-eclâmpsia, parto prematuro e restrição de crescimento intrauterino, afetando a capacidade de levar a gravidez a termo.
A redução da morbidade e mortalidade feto-maternas em gestantes com doença falciforme tem sido atribuída a melhorias no cuidado geral. O acompanhamento por equipes multidisciplinares, a pesquisa sistemática de hemoglobinas anormais, o cuidado pré-natal rigoroso, a realização regular de ultrassonografias para monitorar o desenvolvimento fetal, medidas educativas para as pacientes, orientação nutricional, uso regular de ácido fólico e acesso ao aconselhamento genético são fatores que contribuem fortemente para essa redução.
Em outros casos a mulher com doença falciforme pode sofrer com danos nos ovários levando à insuficiência ovariana prematura, uma condição em que os ovários deixam de funcionar adequadamente antes dos 40 anos, podendo resultar em infertilidade. Nesses casos de falência ovariana prematura, a única possibilidade de gestação é utilizando óvulos de doadora.
Além disso, os episódios de crise de dor vaso-oclusiva podem causar danos ao endométrio (revestimento interno do útero), afetando a implantação do embrião.
O diagnóstico de doença falciforme é feito através de um exame incluído no teste do pezinho, realizado logo após o nascimento. Assim, as pessoas com doença falciforme têm seu diagnóstico realizado desde pequeno, podendo já ser tratadas desde cedo. Devido a complexidade da doença é essencial que tenha um acompanhamento médico multidisciplinar, com a presença de hematologista, endocrinologista e, quando grávida, é necessário fazer um pré-natal rigoroso para garantir a saúde da mãe e do bebê. Mas, além disso, quando em idade fértil e desejo gestacional, importante avaliação de um médico especialista em reprodução assistida para saber se a fertilidade foi comprometida e qual risco de filho com a doença. Em alguns casos é necessária reprodução assistida para garantir a que o filho não tenha a doença.
É possível saber se meu filho terá a doença falciforme?
A Doença Falciforme é uma condição genética hereditária que ocorre quando uma criança herda dois genes alterados que levam à formação da Hemoglobina S (HbS), ao invés da hemoglobina normal, sendo um gene de seu pai, e a outro de sua mãe. Por outro lado, o traço falciforme não é uma doença; ele indica que a pessoa recebeu o gene da anemia falciforme de apenas um dos pais. Indivíduos com traço falciforme não apresentam sintomas da anemia falciforme e vivem vidas normais, porém eles podem
O esquema abaixo mostra quais são as chances de uma criança nascer com a doença falciforme tendo pai e mãe portadores do traço com apenas um elo defeituoso.
Quando um dos membros do casal tem a doença e o outro é portador do traço, a criança tem 50% de chance de ter a doença e 50% de chance de ser portador do traço.
Para saber se a pessoa tem o traço falciforme, é necessário realizar um exame de sangue simples, chamado eletroforese de hemoglobina, já que apenas o traço não causa sintomas da doença.
Quando os dois membros do casal são portadores do traço falciforme (ou um tem a doença e o outro, o traço), para garantir que a criança não tenha a doença falciforme, é necessária a realização de fertilização in vitro (FIV) com biópsia embrionária para a pesquisa genética pré-implantacional para doenças monogênicas (PGT-M). Nesse caso, antes o casal deve fazer um estudo genético. Depois realizar a FIV e biópsia e congelamento dos embriões. Esta biópsia vai para análise genética e são detectados os embriões que não têm a doença, que podem ser transferidos ao útero da mulher sem riscos de terem anemia falciforme.
Vale lembrar que pacientes doadoras de óvulos são obrigadas a realizar a eletroforese de hemoglobina e, se tem a doença ou mesmo o traço falciforme, não podem doar óvulos.
Essa e outras doenças devem ser mapeadas logo na primeira consulta para que o tratamento seja realizado de acordo e não prejudique a saúde da mãe ou do bebê.
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Texto Revisado por Dr. Rogério Leão
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