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Contrações uterinas em excesso: um fator muitas vezes ignorado que pode comprometer a implantação do embrião

Dr. Arnaldo Schizzi Cambiaghi
Especialista em Ginecologia e Reprodução Humana – IPGO

Durante o 11º Congresso do IVIRMA, o Dr. Joaquín Llácer trouxe à tona um tema de grande relevância: o conceito de quiescência uterina — ou seja, a necessidade de que o útero esteja em repouso funcional no momento da transferência embrionária para aumentar as chances de sucesso reprodutivo. Embora o conhecimento sobre a influência das contrações uterinas na fertilização in vitro (FIV) exista há décadas, evidências recentes mostram que esse fator merece atenção especial, principalmente em mulheres com histórico de falhas repetidas de implantação ou doenças uterinas estruturais.

A importância da quiescência uterina na FIV

A implantação embrionária é um processo complexo que depende de vários fatores sincronizados: qualidade embrionária, receptividade endometrial e, cada vez mais reconhecido, o comportamento contrátil do útero.

Estudos modernos reforçam que a presença de contrações uterinas em excesso no momento da transferência está associada a menores taxas de gravidez clínica. Em uma meta-análise de 2025, mulheres com atividade uterina aumentada apresentaram redução de até 50% nas taxas de implantação, em comparação com pacientes com útero funcionalmente em repouso. Esse dado foi corroborado por análises específicas em pacientes com endometriose e adenomiose, nas quais se identificou uma atividade contrátil aumentada e desordenada na fase lútea.

Ainda que estudos mais antigos, como o de Fanchin et al. (1998), já apontassem a associação entre mais de 5 contrações por minuto e taxas de gravidez reduzidas, pesquisas recentes como as de Zhu et al. (2016) e Salmeri et al. (2024) confirmam a validade desse marcador clínico em contextos atuais e com métodos mais precisos de imagem.

Principais causas de contrações uterinas em excesso

Diversas condições ginecológicas podem causar alterações na atividade motora uterina, entre as mais comuns:

  • Endometriose
  • Adenomiose
  • Miomas uterinos, principalmente os intramurais e submucosos
  • Defeitos cicatriciais uterinos, como a istmocele (deiscência da cicatriz de cesárea)
  • Desequilíbrios hormonais no preparo do endométrio

Essas condições comprometem o padrão contrátil fisiológico do miométrio e tornam o ambiente uterino menos favorável à implantação.

Avaliação da atividade uterina

Atualmente, é possível identificar a presença de hiperatividade uterina por meio de:

  • Ultrassonografia transvaginal com gravação em vídeo e análise acelerada
  • Ressonância magnética com técnica cine-MRI, que permite observar e quantificar o padrão de contrações

Tais exames são especialmente indicados em pacientes com repetidas falhas de implantação ou diagnóstico de patologias uterinas associadas.

Estratégias terapêuticas para promover a quiescência uterina

O tratamento tem como objetivo reduzir a contratilidade uterina durante o preparo endometrial e, especialmente, no dia da transferência. Entre as abordagens eficazes descritas na literatura:

  • Atosiban

Antagonista do receptor de ocitocina, atua inibindo contrações uterinas de forma rápida. Estudos clínicos mostraram aumento significativo das taxas de implantação em pacientes com atividade uterina aumentada.

  • Nifedipina

Bloqueador de canais de cálcio amplamente utilizado como anti-hipertensivo. Estudos recentes mostraram que sua administração antes da transferência pode reduzir a frequência das contrações uterinas, com excelente tolerabilidade. É uma das intervenções mais promissoras e seguras no contexto da quiescência uterina.

  • Otimização do preparo hormonal

Uso adequado de progesterona em tempo e dose corretos auxilia a manter o útero em repouso funcional.

  • Cirurgia corretiva de alterações uterinas

A correção de miomas sintomáticos, adenomiose profunda ou istmoceles pode restaurar o padrão contrátil fisiológico e melhorar o ambiente uterino para a implantação.

Resultados clínicos após o controle da atividade uterina

Mulheres com contrações excessivas que foram submetidas a intervenções específicas apresentaram melhoras consistentes nas taxas de gravidez clínica, conforme demonstrado por diversos estudos recentes. A individualização do preparo endometrial, incluindo a avaliação da motilidade uterina, representa um avanço importante na medicina reprodutiva personalizada.

Conclusão

A identificação e o tratamento das contrações uterinas em excesso são passos fundamentais para o sucesso da fertilização in vitro, especialmente em pacientes com falhas anteriores, endometriose, adenomiose ou alterações anatômicas uterinas.

O conceito de quiescência uterina reforça que, além da morfologia e da receptividade endometrial, o comportamento funcional do útero precisa ser avaliado e, quando necessário, modulado. Essa abordagem, baseada em evidências atuais e tecnologia moderna de imagem, amplia as possibilidades terapêuticas e contribui para uma maior taxa de sucesso nos tratamentos reprodutivos.

Referências

  1. Fanchin R. et al. Uterine contractions at the time of embryo transfer alter pregnancy rates after IVF. Hum Reprod. 1998;13(7):1968–1974.
  2. Vidal X. et al. Lower pregnancy rate in women with high uterine peristalsis before embryo transfer: A meta-analysis. Reprod Biol Endocrinol. 2025.
  3. Salmeri FM. et al. Uterine contractility in endometriosis and adenomiosis: meta-analysis. J Clin Med. 2024.
  4. Zhu L. et al. Uterine peristalsis at embryo transfer affects outcomes: observational and meta-analysis. Hum Reprod. 2016;31(6):1270–1275.
  5. Tur-Kaspa I. et al. Atosiban to prevent uterine contractions during ET improves pregnancy outcomes. RBMO. 2017;35(6):679–685.
  6. Li J. et al. Clinical evaluation of atosiban in patients with high-frequency uterine contractions. Front Med. 2024;11:1278.
  7. Leyendecker G. et al. Uterine auto-traumatization and hyperperistalsis. Ann N Y Acad Sci. 2004.
  8. Jordans I. et al. Cesarean scar defect and uterine contraction amplitude. RBMO. 2023.
  9. Kido A. et al. Cine-MRI of uterine peristalsis: protocol and agreement. Eur Radiol. 2007.
  10. Mavrelos D. et al. Isthmocele and infertility: what do we know? Ultrasound Obstet Gynecol. 2022;59(4):456–464.

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