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PROBLEMA DE SAÚDE DA ATRIZ LENA DUNHAM, ENDOMETRIOSE, ACOMETE MUITAS MULHERES NO MUNDO

Por: Dr. Arnaldo Schizzi Cambiaghi

A atriz americana Lena Dunham, criadora da série “Girls”, foi hospitalizada no sábado, 5 de março, para se submeter à cirurgia depois de ter sofrido uma ruptura de um cisto em um ovário. Lena já havia declarado que tem endometriose. Cistos no ovário é um problema comum de quem tem esta doença, que não tem cura e provoca muita dor e até infertilidade.
“Há três tipos de endometriose, a que ela tem é a ovariana. Nesses casos não é difícil surgirem cistos em tamanhos maiores que os comuns. Por isso, quando há cistos de 6 cm ou mais, a indicação é fazer cirurgia. Isso para se evitar uma situação de emergência médica. A mulher pode estar viajando e acontecer a ruptura, por exemplo. A dor é lancinante e há casos de sangramento”, adverte o Dr. Arnaldo Cambiaghi, ginecologista e especialista em reprodução humana do IPGO.
Não se sabe o número de mulheres com o problema pelo mundo, mas se considera que de 10% a 15% das mulheres em idade reprodutiva apresentem endometriose, o que significa algo em torno de 6 milhões no Brasil e 180 milhões no mundo. Portanto, neste Dia Internacional da Mulher, este é um tema importante a ser lembrado, pois muitas pessoas não procuram tratamento e sofrem por anos! Sem contar que a endometriose prejudica não só a vida social, como também a profissional, fazendo com que a funcionária falte ao trabalho devido às dores e mal-estar.

Mas o que é endometriose?

Para entender o que é endometriose é necessário primeiro saber o que é endométrio.

“A endometriose é uma doença caracterizada pela presença de tecido semelhante ao endométrio, com glândulas e estroma, fora da cavidade uterina. Acomete principalmente órgãos pélvicos, como ovários, trompas, intestino, superfície externa e parede do útero, bexiga, peritônio, vagina e colo (Figura 26-1). Mais raramente, pode ser encontrada ainda no fígado, em cicatrizes antigas (como as de cesárea), no diafragma, na pele, nos pulmões e até no sistema nervoso central”, explica Cambiaghi.
A exata prevalência não é sabida, pois há muitos casos assintomáticos, em que não se faz o diagnóstico. Estima-se que atinge de 7% a 14% das mulheres em idade reprodutiva, sendo uma das principais causas de dor pélvica, chegando a estar presente em até 80% das mulheres submetidas a laparoscopia por dor pélvica crônica. Apesar de ser uma doença benigna, tem alta morbidade, pois o quadro doloroso pode ser às vezes incapacitante, o que leva em muitos casos a intenso desgaste físico e mental, com grande comprometimento da qualidade de vida, tanto no aspecto profissional como emocional e afetivo. Entre as repercussões profissionais, alguns autores observaram que boa parte dessas pacientes tem diminuição da produtividade e ganho mensal, além de menor chance de promoção e evolução na carreira profissional. Acrescentam ainda que muitas retratam exclusão social, problemas psicológicos (depressão) e problemas nas relações afetivas que podem chegar até a separação do casal.
O médico frisa que, além do quadro doloroso, pode levar, por diferentes mecanismos, à infertilidade, chegando a estar presente em cerca de 25% a 50% das mulheres inférteis. Mesmo com técnicas de reprodução assistida, pacientes com endometriose têm menor taxa de gravidez do que as que não apresentam a doença.
“O tratamento da endometriose pode levar a importante melhora do quadro doloroso, qualidade de vida e fertilidade, entretanto muitas vezes pode exigir cirurgias invasivas. Frente a tudo isso, conhecer muito bem a investigação e o manejo deste grupo de pacientes é fundamental para o ginecologista geral e os especialistas em reprodução humana”, afirma o médico.

Causas

A etiologia da endometriose é incerta, mas existem algumas teorias que tentam explicá-la. A mais difundida é a teoria da menstruação retrógrada (proposta por Sampson em 1921). Ela sugere a presença de fluxo menstrual retrógrado através das tubas uterinas e o implante e adesão destes fragmentos de endométrio no peritônio. Entretanto, a menstruação retrógrada pode ser observada em até 90% das mulheres, mas nem todas desenvolvem a doença. Uma teoria para isso é que somente irão desenvolver a doença algumas mulheres que tenham uma alteração imunológica. Weed e Arguembourg (1980) foram os primeiros a sugerir um distúrbio imunológico para explicar a ocorrência da endometriose. A partir de então, muitos estudos a têm relacionado a alterações específicas da imunidade. Esta alteração diminuiria as chances do organismo em se defender de células de endométrio, que se implantariam nos tecidos e desenvolveriam a endometriose.
Outra teoria, descrita no final do século 19, propunha que a endometriose se originaria de remanescentes dos ductos de Wolff, que sofreriam processo de metaplasia transformando-se em tecido endometrial. Nesta linha há também a teoria da chamada metaplasia celômica. Ela considera que células do epitélio celômico (presentes no peritônio e nos ovários) podem ser induzidas a se diferenciar em endometriose. Assim, essas células sob indução hormonal ou traumática sofreriam modificações estruturais, funcionais e proliferariam sob o peritônio com um aspecto endometrioide.
“Essas teorias explicam bem os focos de endometriose no peritônio, mas não os focos de endometriose a distância, como no pulmão ou cérebro. Para explicar isso, uma outra teoria defende que células endometriais podem cair na circulação sanguínea e linfática, e então se implantar em locais distantes”, diz Cambiaghi.
Mas a real causa da endometriose não é sabida. Muitos acreditam que seja uma combinação destas teorias todas ou ainda que cada tipo de endometriose tenha uma etiologia diferente. Lembramos que existe também a influência de um componente genético. Apesar de ainda não bem definido, nota-se uma predisposição familiar ao desenvolvimento da doença, e muitos estudos vêm sendo desenvolvidos para encontrar possíveis genes ligados ao aparecimento da endometriose.

Fatores de Risco

O real perfil da paciente portadora de endometriose é impreciso. Sabe-se que acomete mulheres em idade reprodutiva, com maior frequência de diagnóstico entre 25 e 34 anos, não parecendo haver diferença de prevalência entre as raças. São também conhecidos vários fatores que podem estar relacionados com maior ou menor frequência da doença (Quadro 26-1).

QUADRO FATORES DE RISCO E PROTETORES PARA ENDOMETRIOSE

Quadro clínico

O quadro clínico da endometriose é diversificado, sendo que cerca de 16% das pacientes são assintomáticas. As principais manifestações clínicas da doença são a dismenorreia, com piora progressiva, evoluindo muitas vezes para dor pélvica crônica acompanhada de dispareunia. Grande parte das pacientes também apresenta infertilidade. Embora essas manifestações sejam muito sugestivas de endometriose, nem sempre estão presentes, não são exclusivas desta doença e requerem o diagnóstico diferencial com outras condições, como aderências, processos infecciosos, neoplasias, patologias intestinais ou urinárias, entre outras.
Dependendo do acometimento de outros órgãos, as pacientes podem apresentar, durante o período menstrual, sintomas urinários, intestinais e até torácicos.

Diagnóstico

O quadro clínico pode muitas vezes sugerir a endometriose, mas como os sintomas são inespecíficos e podem se sobrepor a outras patologias, para um diagnóstico definitivo necessita-se maior investigação. Dosagem sanguínea de CA-125 durante período menstrual ou outros marcadores podem contribuir com o diagnóstico, mas são muito inespecíficos. Exames de imagem como ultrassom transvaginal e ressonância nuclear magnética de pelve podem ajudar no diagnóstico de endometriose ovariana e infiltrativa, mas em casos mais leves não têm uma boa acurácia.
Cambiaghi afirma: “Segundo consenso da European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE) e da American Society for Reproductive Medicine (ASRM), o padrão-ouro para diagnóstico de endometriose é a laparoscopia com inspeção direta da cavidade e visualização dos implantes, não necessitando de biópsia para confirmação histopatológica”.
A laparoscopia permite o diagnóstico da endometriose, estadiar a extensão da doença e tratar simultaneamente as lesões. Como é um procedimento invasivo, em alguns casos, pode-se tentar um tratamento empírico sem a realização da laparoscopia.

Classificação

Visando a uma melhor definição do tratamento, prognóstico e seguimento da endometriose, ao longo dos anos foram sendo propostas diferentes classificações da doença de acordo com a localização das lesões, o grau de comprometimento dos órgãos e a severidade da endometriose. Por muito tempo, a classificação mais aceita foi a da American Fertility Society, que divide a doença em mínima, leve, moderada e severa, sendo inclusive ainda adotada por muitas clínicas. Entretanto, estudos recentes têm recomendado uma nova classificação com melhor associação entre clínica e estadiamento, além de maior relação com a fisiopatogenia. Essa nova classificação divide a endometriose em três tipos distintos: endometriose superficial, endometriose ovariana e endometriose profunda.
Apesar de todas serem endometriose, são consideradas doenças distintas, não possuem a mesma origem e recebem tratamentos diferenciados. Esta divisão tem facilitado o tratamento e a cura, e mostra a importância de o médico especialista conhecer cada um dos detalhes que envolvem a doença.
Além desses tipos, a endometriose, em casos mais raros, pode estar localizada fora da cavidade abdominal, como nos pulmões, tórax e até mesmo no sistema nervoso central.

Endometriose superficial

A endometriose peritoneal, ou superficial, apresenta como característica focos de tecido endometriótico sobre o peritônio superficial, com menos de 5 mm de profundidade. Esses focos podem possuir diversas características dependendo do momento de evolução da doença. Inicialmente, apresentam-se como áreas avermelhadas ou vesículas. Com o passar do tempo, tornam-se escuros (marrom-preto) e após, esbranquiçados, com sinais de fibrose e desvascularização (Figura 26-2).
O quadro clínico é variável, e sua intensidade não tem relação com a extensão das lesões. Exames de imagem geralmente ajudam pouco. O diagnóstico geralmente só é feito com a laparoscopia. A cirurgia é útil no diagnóstico e no tratamento da doença, que consiste na remoção de todos os focos. Quando há forte suspeita pela clínica, pode-se tentar uma terapia médica empírica com medicamentos que bloqueiam a menstruação, desde que não existam outras indicações para a cirurgia.
“Essa conduta é geralmente adotada para adolescentes, uma vez que a dismenorreia é muito frequente nesta faixa etária, mesmo sem endometriose. No entanto, quando a terapia hormonal combinada (como pílulas anticoncepcionais orais) ou anti-inflamatórios falham, a laparoscopia deve ser indicada, uma vez que cerca de 35% a 73% das pacientes têm endometriose no momento da laparoscopia. A laparoscopia confirma o diagnóstico e trata as lesões, que devem ser ressecadas ou cauterizadas, desde que se tenha certeza de que toda a lesão foi queimada”, conta o médico.

Endometriose ovariana

Endometriose ovariana é um tipo de endometriose que se apresenta como endometriomas, ou seja, cistos no ovário com líquido achocolatado que variam de tamanho, podendo atingir grandes volumes. Acometem 17% a 44% das pacientes com endometriose. Em cerca de 98,9% dos casos, apresentam outro foco de endometriose, estando normalmente associados a aderências ao peritônio posterior e a uma chance aumentada de endometriose no intestino. Podem ser bilaterais, mas ocorrem mais frequentemente no ovário esquerdo.
Não há um consenso sobre a origem da formação do endometrioma, podendo ser devido a uma invaginação do foco endometriótico da superfície para o parênquima ovariano ou ao sangramento de um foco dentro de um cisto ovariano prévio ou do parênquima ovariano.
Muitos casos são assintomáticos e a descoberta é um achado em exames de imagem. Geralmente estão associados a quadro clínico de dor, dispareunia (dor durante a relação sexual) e infertilidade.O diagnóstico se faz por exames de imagem como ultrassom e ressonância nuclear magnética de pelve (Figura 26-3)
Em relação ao tratamento, a endometriose ovariana não responde ao tratamento clínico, como com o uso de medicamentos que suspendam a menstruação. Outra opção que deve ser evitada é a aspiração do cisto guiada por ultrassonografia, o que não é considerada uma boa alternativa devido aos altos índices de recorrência e ao risco de infecção, além de não permitir a retirada de tecido para estudo histopatológico.
O tratamento cirúrgico dos endometriomas é a alternativa terapêutica mais aceita e adequada de acordo com o pensamento atual. Entre as opções cirúrgicas, ooforectomia (retirada dos ovários) deve sempre ser evitada em pacientes em idade reprodutiva. Em relação a cirurgias conservadoras, existem duas opções: drenagem e cauterização da cápsula do cisto ou excisão completa do endometrioma com ooforoplastia. Numa revisão da biblioteca Cochrane, essas duas modalidades de cirurgia conservadora foram comparadas e os resultados mostraram que a retirada cirúrgica da parede dos endometriomas apresenta menores taxas de recorrência dos sintomas como dor, dispareunia e dismenorreia; menor taxa de necessidade de nova cirurgia; além de menor taxa de recorrência do endometrioma. Para as pacientes que tentaram engravidar após o procedimento, as taxas de gravidez espontânea foram maiores no grupo de mulheres inférteis onde se realizou a excisão da parede do cisto.
Entretanto, por ser um tratamento invasivo, a grande discussão que surge é: quando devemos tratar o endometrioma?
As indicações primárias para o tratamento dos endometriomas ovarianos são os sintomas de dor, a infertilidade e a possibilidade de interferir nos tratamentos de infertilidade. Estudos têm mostrado o alívio dos sintomas de dor após o tratamento cirúrgico do endometrioma, com baixas taxas de recidivas. Outra indicação de retirada dos endometriomas é a suspeita de malignidade. Sabe-se que um cisto diagnosticado por ultrassom como endometrioma tem uma chance menor do que 1% de ser um cisto maligno, mas a possibilidade existe. Portanto, um cisto persistente e grande (maior que 4 cm), em crescimento ou cujas características vêm mudando e tornando-se mais suspeitas de malignidade, deve ser retirado.
A via de abordagem cirúrgica pode ser laparotomia (corte usual no abdome) ou laparoscopia (cirurgia por vídeo) (Figura 26-4). Normalmente se opta pela cirurgia laparoscópica por ter melhor recuperação pós operatória, menos dor e ser esteticamente favorável (incisão menor). Além disso, temos uma visão ampliada pela câmera, facilitando a visualização de outros possíveis focos de endometriose. Entretanto, a cirurgia por vídeo necessita de uma maior experiência do cirurgião. A curva de aprendizado é maior e, em mãos inexperientes, pode acabar deixando doença, o que diminui o sucesso do tratamento e aumenta a recidiva; ou, por outro lado, levar a uma perda considerável de tecido ovariano normal, o que pode ser muito deletério nos resultados reprodutivos.

Cirurgia robótica

Recentemente, avanços vêm surgindo nesta modalidade de cirurgia, com introdução de materiais cada vez mais precisos e com melhores imagens, tornando a laparoscopia cada vez mais efetiva e segura. Uma novidade que vem sendo introduzida nas cirurgias de endometriose é o auxílio da robótica. A cirurgia por robótica apresenta algumas vantagens em relação à laparoscopia convencional, entre elas:
• permite que o cirurgião fique sentado confortavelmente, visualizando a cavidade pélvica e endometrial de forma tridimensional;
• aumenta a destreza e precisão do cirurgião, importante principalmente quando se trabalha com estruturas delicadas– com essa maior precisão, menos tecido ovariano sadio é lesado na exérese do endometrioma, por exemplo;
• elimina possíveis tremores naturais do cirurgião.
Com tudo isso, hoje é possível tratar a doença de forma satisfatória interferindo o mínimo possível e preservando ao máximo o órgão e, principalmente, a reserva ovariana.
Endometriose profunda
É caracterizada pelo comprometimento mais profundo dos tecidos (acima de 0,5 cm), podendo envolver intestino, bexiga, ureter e septo reto-vaginal. A endometriose infiltrativa é a que mais causa dor e interferência no funcionamento dos órgãos. Com isso, sua evolução pode ser até comparada com a de patologias malignas – com a diferença de não levar à morte. É a que apresenta sintomatologia mais agressiva, comprometendo o bem-estar e a qualidade de vida das pacientes, além de interferir na fertilidade mesmo quando são usadas as técnicas de reprodução assistida.
O diagnóstico da endometriose infiltrativa e profunda deve ser suspeitado inicialmente pela queixa clínica. A dispareunia (dor durante a relação) está fortemente associada a ela. Além dos sintomas clássicos de endometriose, o quadro clínico dependerá do órgão acometido.

Os sintomas mais comuns são:

• sintomas intestinais: algumas pacientes com acometimento intestinal podem apresentar, durante o período menstrual, disquesia, (dor na região pélvica ou lombo-sacral associada ao ato de defecação), sensação de inchaço ou distensão abdominal difusa, diarreia ou tenesmo (dor anal associada à dificuldade de evacuar);

• sintomas urinários: quando a endometriose acomete a bexiga, podem surgir durante a menstruação sintomas urinários como disúria (desconforto no ato da micção, com ou sem irradiação) e hematúria (sangue na urina).

“Na endometriose profunda (ou infiltrativa), os exames de imagens são fundamentais, tanto para auxílio diagnóstico como para planejamento do tratamento. Entre eles, é essencial um ultrassom endovaginal realizado por um profissional especializado e precedido de um preparo intestinal (Figura 26-5). Recomenda-se ainda a Ressonância Magnética Pélvica (Figura 26-6). Dependendo da suspeita, outros exames de imagem devem ser pedidos, como avaliação de vias urinárias, cistoscopia e a ecocolonoscopia”, diz o médico.
Assim como a ovariana, a endometriose infiltrativa não responde ao tratamento clínico com a ajuda de medicamentos que suspendam a menstruação. A indicação de tratamento para estes casos é a cirurgia, que deve ser realizada se a paciente apresentar sintomatologia.
Quanto à melhor abordagem cirúrgica, muitos serviços a realizam por laparotomia. Entretanto, o preconizado atualmente é a abordagem minimamente invasiva, através da videolaparoscopia (Figura 26-7).
As vantagens da cirurgia laparoscópica quando comparada a laparotomia incluem: diminuição da permanência hospitalar; um retorno mais rápido das pacientes às atividades do dia a dia (por exemplo, menos tempo longe trabalho); diminuição da morbidade (menor dor pós-operatória e com menos probabilidade de aderências e infecções da parede abdominal); diminuição da mortalidade; e maior taxa de gravidez. A laparoscopia é preferível ainda à laparotomia porque proporciona a visualização de todo o abdômen e pelve com a visão ampliada.
É muito importante ressaltar que cirurgia de endometriose infiltrativa é extremamente complexa e exige médicos qualificados e experientes neste tipo de intervenção. O planejamento da cirurgia é muito importante para que a paciente saiba com antecedência as possíveis implicações, como a possibilidade de ressecção de uma parte do intestino (retossigmoidectomia) ou da bexiga, caso haja um comprometimento destes órgãos, além de eventuais complicações. Tanto a paciente como a equipe devem estar prontos para todas as possibilidades.
Recentemente, assim como para endometriose ovariana, vem sendo introduzido o auxílio da robótica nesta modalidade, tornando a cirurgia mais precisa, eficaz e com menos riscos.

Seguimento da paciente

Como visto, a endometriose normalmente é tratada cirurgicamente (exérese cirúrgica das lesões), mas tendo em vista que é uma doença crônica, o tratamento deve manter-se por períodos prolongados e consiste no bloqueio dos ciclos menstruais. O tratamento padrão é o análogo de GnRH, efetivo na redução da dor, alívio dos sintomas e diminuição de lesões. Entretanto, é muito frequente efeitos colaterais de fogachos (ondas de calor) e secura vaginal, além de poder causar osteoporose se o uso for prolongado. Assim, este tratamento é preconizado por no máximo de três a seis meses.
Após esse período, têm sido utilizados anticoncepcionais de uso contínuo ou progestágenos (por diferentes vias), que podem ajudar na não progressão da doença e no alívio dos sintomas. Uma boa opção mais recente é o uso de dienogeste, um progestagênio com forte atividade progestacional e sem atividade androgênica. A dose recomendada é um comprimido de 2 mg via oral uma vez ao dia.
Estudos mostraram eficácia no alívio da dor semelhante ao análogo do GnRH e redução das lesões de endometriose. A melhora dos sintomas se mantém por períodos prolongados de uso. Efeitos colaterais são leves e infrequentes, sendo: dor de cabeça (9%), dores mamárias (5,4%), desânimo (5,1%) e acne (5,1%). Diferentemente do análogo de GnRH, não tem efeitos colaterais antiestrogênicos relevantes, como diminuição da massa óssea e sintomas de menopausa (calores, secura vaginal etc.), frequentes com o uso do análogo. Também não se associa com efeitos androgênicos clinicamente relevantes e não tem impacto negativo sobre o perfil de lipídios, diferentemente de alguns progestagênios. Com o uso contínuo, há redução progressiva na frequência e na intensidade do sangramento.

Dieta x endometriose

Existem várias teorias que relacionam a alimentação com progressão e sintomatologia da endometriose. Os aspectos nutricionais estão principalmente envolvidos na concentração de estrógeno no sangue, alívio de dor e intensidade do processo inflamatório. Entre algumas mudanças nutricionais que podem ser benéficas para pacientes com endometriose estão: aumento na ingestão de líquidos e fibras, substituição de gorduras saturadas e monossaturadas por poli-insaturadas, aumento da ingestão de alimentos ricos em antioxidantes, redução de carne vermelha e aves, evitar alimentos industrializados como embutidos, pães, doces e molhos.

Endometriose X Fertilidade

Já está estabelecido que endometriose prejudica a fertilidade. Isso se deve a alterações anatômicas na pelve (às vezes com grande distorção da anatomia), o processo inflamatório provocado (prejudicial ao óvulo, espermatozoide e diminuindo as taxas de fertilização), resistência dos ovários (que necessitam de mais medicação para estimulá-los e produzem menos óvulos), além de alterações endometriais, que prejudicam a implantação (por exemplo, secreção de algumas interleucinas, como LIF – eukemia innibitory factor).
A endometriose está presente em 25-50% das mulheres inférteis, e sua ocorrência afeta os resultados gestacionais mesmo com técnicas de reprodução assistida. Representa assim um grande desafio para o especialista em reprodução, pois, se por um lado o tratamento da endometriose aumenta a taxa de gravidez, por outro, pode ser muito agressivo e, em alguns casos, até prejudicar a fertilidade. A decisão de quando operar uma paciente com a doença com desejo gestacional vai depender de vários fatores, principalmente do tipo de endometriose.

• Endometriose superficial: em relação a pacientes inférteis com endometriose superficial, os estudos não são conclusivos quanto a se realmente a retirada de lesões melhora o prognóstico reprodutivo, entretanto os guidelines da ASRM, da ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embryology) e do RCOG (Royal College of Obstetricians and Gynecologists) orientam que as pacientes inférteis com endometriose peritoneal se beneficiam do tratamento cirúrgico por laparoscopia com destruição das lesões.

• Endometriose ovariana: no contexto de infertilidade, estudos demonstraram que a excisão de endometriomas pode aumentar a taxa de gestação em 50% após o procedimento. Por outro lado, a cirurgia pode ser muito agressiva, com perda de tecido ovariano normal e, portanto, com prejuízo da reserva ovariana. Assim, há sempre a grande dúvida se devemos tratar endometriomas em pacientes inférteis assintomáticas. Muitos seguem o critério de tamanho (> 4 cm) para se indicar a cirurgia, mas ainda não há consenso e hoje em dia temos optado por ser mais conservadores.
“Um ponto a favor de não operar é o fato de pacientes que foram submetidas a exérese de endometriomas apresentarem diminuição do AMH em relação àquelas com endometriomas não operados, refletindo um prejuízo de sua reserva ovariana. Além disso, alguns estudos vêm mostrando que a cirurgia melhora a chance de gravidez espontânea, mas, se a FIV já é indicada, não melhora o sucesso da FIV e, em alguns casos, pode até prejudicar”, afirma Cambiaghi.
Isso foi demonstrado em dois estudos. Um deles, de Garcia-Velasco et al., em 2004, que avaliou pacientes com endometrioma que necessitavam de FIV. Um grupo (56 pacientes) foi direto para a FIV, enquanto 133 fizeram a cirurgia previamente. O grupo que operou necessitou de mais medicação para a estimulação ovariana e não houve diferença nos resultados da FIV. Assim, concluíram que, em casos de FIV com endometrioma assintomático, ir direto pra a FIV encurta o tempo para se conseguir a gravidez, diminui os gastos e evita os riscos de uma cirurgia, sem prejudicar o sucesso da FIV.
Outro estudo, de Somigliana et al., em 2008, avaliou pacientes que apresentavam endometrioma bilateral e iriam se submeter à FIV. Um grupo fez cirurgia previamente e outro foi direto para a FIV. Observou-se que as pacientes que foram submetidas à cirurgia tiveram menos folículos na estimulação ovariana, menos oócitos coletados, menos embriões e menor taxa de gravidez por ciclo iniciado. Com isso, mostraram que a cirurgia para endometrioma bilateral, em vez de ajudar, prejudicou os resultados da FIV.
Em 2009, estes mesmos dois autores publicaram uma revisão na revista Human Reproduction orientando que há evidência científica suficiente demonstrando que a cirurgia de endometrioma leva à menor resposta do ovário operado ao estímulo ovariano e sem melhora na qualidade dos óvulos, além de apresentar os riscos inerentes ao procedimento. Logo, não recomendam que seja feita com intuito somente de reprodução, a não ser que haja suspeita de malignidade nos exames de imagem, sintomas associados (dor) ou presença de cistos grandes. Defendem que não há uma indicação específica baseada somente no tamanho para se operar, como a conduta de se operar qualquer cisto com 3 ou 4 cm. Consideram isso arbitrário e sem evidência. A conduta deve depender mais de quanto compromete o tecido ovariano e a localização. Se for possível que os folículos cresçam e sejam aspirados sem lesar o endometrioma, mesmo cistos de 4 ou 5 cm não têm indicação de cirurgia. Já cistos menores, mas que escondem os folículos em crescimento, principalmente em ovários fixos, podem necessitar de cirurgia.
Assim, a tendência atual em casos de endometriose é ser conservador e considerar que o foco da cirurgia deve ser melhorar a qualidade de vida. Em reprodução, os casos devem ser individualizados para se decidir se realmente uma intervenção cirúrgica terá benefício, para não expor a paciente a riscos desnecessários e até mesmo comprometer mais ainda o sucesso reprodutivo. No Quadro 26-2 estão listados pontos a favor e contra a indicação de cirurgia de endometrioma.
Vale ainda ressaltar que aspirar os endometriomas durante a coleta de óvulos não traz benefício algum, pois a chance de recidiva é muito grande e apresenta o risco de infecção.

• Endometriose profunda: no contexto de infertilidade, se a paciente for assintomática, evitamos a cirurgia pela alta morbidade, principalmente se for indicada a FIV. Neste caso o custo-benefício da cirurgia não compensa.
“Independentemente da abordagem cirúrgica, quando a FIV é indicada, uma meta-análise da Cochrane de 2006 mostrou que o uso de agonista de GnRH (aGnRH) por três a seis meses antes da FIV aumentou a taxa de gravidez. Em 2010, um estudo de de Ziegler et al. sugeriu que o uso de pílula contínua por seis a oito semanas prévias à FIV também aumentou a taxa de gravidez, embora seja um estudo não conclusivo”, finaliza o médico.

Sobre Arnaldo Cambiaghi

Arnaldo Schizzi Cambiaghi é diretor do Centro de reprodução humana do IPGO, ginecologista-obstetra especialista em medicina reprodutiva, trilha sua carreira auxiliando casais na busca por um filho e durante toda a gestação. Membro-titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Laparoscópica, da European Society of Human Reproductive Medicine. Formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa casa de São Paulo e pós-graduado pela AAGL, Illinois, EUA em Advance Laparoscopic Surgery. O especialista além de autor de diversos livros na área médica como Fertilidade Natural, Grávida Feliz, Obstetra Feliz, Fertilização um ato de amor, e Os Tratamentos de Fertilização e As Religiões, Fertilidade e Alimentação, todos pela Editora LaVida Press e Manual da Gestante, pela Editora Madras. Criou também os sites: www.ipgo.com.brwww.fertilidadedohomem.com.brwww.fertilidadenatural.com.br, onde esclarece dúvidas e passa informações sobre a saúde feminina, especialmente sobre infertilidade. Apresenta seu trabalho em congressos no exterior, o que confere a ele um reconhecimento internacional.

Informações à imprensa:
in the press comunicação – Tel.: 11 – 3667-6048 / 99245-6501
Jornalista responsável: Cármen Guaresemin

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